Blog Da Poesia
Dércio Braúna
Dércio Braúna nasceu em Limoeiro do Norte, Ceará, em 1979. Poeta e contista contemporâneo. É mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará. Publicou os livros de poesias “O pensador do jardim dos ossos, A selvagem Língua do Coração das Coisas, Metal sem Húmus, além de volumes de contos e teóricos abordando as relações entre a história universal e a literatura africana. Sua escrita caracteriza-se pelo uso de diferentes formas e recursos linguísticos. Aborda em sua essência temas comuns e significativamente inquietantes da existência humana, entre os quais, morte, amor, solidão, esperança... Poesia plural. Relevante. Densa. Que se reinventa a cada palavra, a cada sentido ou significado. Pungente. Melancolia acometida de arte.
Oráculo
a poesia não está na palavra
(como uma coisa em si)
mas no olho de quem vê
o que lhe carrega o nome
[in A selvagem língua do coração das coisas]
Dércio Braúna
METAFÍSICA PELOS DENTES
Arrasto a dentes
esses meus dias pelo mundo.
É com eles,
com sua inabalável verdade,
que considero a medida de minha fé.
Só conheço esse deus
(e seu canto calcário);
o resto é essa lúcida alegria
de saber que tudo é inútil
e, ainda assim, seguir gritando
“esta necessidade
de humanidade
entre nós
que como lâmina
nos fere
e urra
estrondosamente.”
Dércio Braúna
IDEIA, NOME E FORÇA:
A TÁBUA DA ORDEM DAS COISAS
É preciso haver uma força:
que não há de ser a que aí está,
sobre a curva do espinhaço
dos que a sustentam.
E preciso haver uma força
que atravesse o nome pacífico das coisas
que têm força sobre os homens.
E preciso haver uma força
que exponha os compósitos
(o sentido,
a mecânica)
com que se fabricam
as tábuas das verdades.
Um exemplo?:
a tábua da ideia
de que não há força
nos nomes que sustentam
a ordem das coisas.
O LINHO QUE AMARELECE O TEMPO
1.
Eu amava a casa de meu pai.
Não suas paredes cuidadas,
seu piso lavado, sua cor comum e limpa:
amava as coisas guardadas por seu nome.
Amava os retratos respeitados às paredes,
a mobília tranquila e sóbria,
o cheiro cada qual das horas.
Amava a poeira silente
sobre os livros,
o gesto pacífico de meu pai
ante eles.
Amava as vozes que perdi
e as palavras que não disse.
Amava no amor contido que devia.
Amava sem o nome para a coisa amada
(o amor não se diz quando há).
Amava os dias habitados
(os que habito na memória de que me visto).
2.
Mas não amava
(o amor não se diz quando há;
o amor é depois).
A casa que amo,
porque amo,
não pode ter havido
como amei.
O que amo é meu
(eu sou seu deus, seu pai e seu filho).
Não sabia
(quem o sabe ao tempo que devia?)
que
o amor aumenta
[talvez só exista]
com a amarelecimento do linho.*