Blog Da Poesia

Sara Jardim, 100 anos

25/08/2021 09:00 - por Tiago Vargas

Sara Claveaux de Jardim nasceu em 1921 em Montevideu, Uruguai.  Filha de Enrique Mario Claveaux e Encarnación Gutierrez Diaz. Perspicaz. Artista multifacetada. De extrema qualidade e sensibilidade. Da pintura às letras. Chegou a Cachoeira do Sul em 1945, mesmo ano em que casou-se com Geanone Jardim. Foi Professora de Espanhol e Francês nas Escolas Liberato Salzano e João Neves da Fontoura, de 1954 a 1982. Em 1950 foi nomeada cônsul honorária de Cachoeira do Sul. Em 1981 foi homenageada pelo Jornal do Povo como Cidadã Honorária do município. Em 2011 escolhida mulher do ano em cultura. Na literatura sua escrita se caracterizou pela sutileza de imagens poéticas e pelo lirismo inventivo e pungente. Artista criativa e contumaz. Participou de várias publicações da Antologia Poetas do Vale, entre as quais os volumes, II, III, IV, V, VI e VII). Poetisa singular. De relevância e destaque. Dia 22 de agosto completa  100 anos de vida. Eis aqui nossa singela homenagem para uma mulher de vanguarda. Adorável, lúcida e inteligente. 

Tempo
Nos castelos de areia 
Ficou a infância.
Nos castelos das nuvens 
Foi o amor.
Como era bom, maravilhoso!
Aquele tempo que passou.
A ausência eterna
Virou o tempo em lágrimas
Mas a saudade na mente o recriou.
Como era bom, maravilhoso!
Aquele tempo que passou.

Serenidade
(A meu filho Mário)
Do cachimbo aceso
com cheiro de mel,
sobe uma fumaça
preguiçosa e branca,
serena, impalpável,
suave e desenhada,
que densa ao começo
dissolve-se em nada.
E vejo teus olhos
seguindo a fumaça
que adeja e flutua
com encantamento,
subindo, subindo
transparente e pálida
levando em sua dança
o teu pensamento.
E perdido em sonhos,
fantasias aladas,
perdes o sentido
das horas passadas.

O ADEUS
(A minha mãe)
Cheguei tarde demais,
tinhas partido
sem o consolo de um adeus!
Chorei, olhando tudo
o que era teu, e amavas.
Visitei desolada os caminhos
que percorríamos juntas
de mãos dadas.
Passou o tempo,
e te encontrei nas novas alegrias...
e nas horas desesperadas.
Te pressenti na beleza das flores,
na música do mar
e nas noites prateadas.
Descobri que o adeus ficou em teus lábios
porque nunca estaremos separadas!

Fragmentos
Ouro, rosa e azul
estava o céu.
E esse contraste suave
cobria a terra.
Então fechando os olhos
vi tua imagem.
Chegando junto com a primavera
A estação que tu amavas!
E o incrível esplendor desse momento
A dor de tuas lembranças, sufocou.
Oh, pai! Um fragmento feliz
de minha vida
findou com teu adeus
de despedida.

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Página em Branco
No começo do meu livro
Deixei uma página em branco.
- Símbolo de paz? – Pureza
- Nada disso...
- Desengano!
- Palavras que eu nunca disse
E que nunca pude ouvir...
- O que desejei pedir
E que morreu nos meus lábios
- O que me inspiraste um dia
e não soube traduzir.
- A pena de ver surgir
um futuro sem amor.
- O pranto que não verti
e que me anegava a alma.
Tudo na brancura calma 
dessa página, omiti.

A esperança do tempo
A lua em quarto crescente
A brisa leve de abril
Embalada em pensamentos
Eu não consigo dormir ...
De repente, nada mais
Perco a noção da vida
E passo a sonhar contigo
Por uma senda perdida
Te sonho tão natural
Te sonho tão expressiva!
Que te abraço e me aconchego
Como se estivesse viva.
Mãe querida, passo o tempo
Com ele vai minha vida
O tempo não nos separa
O tempo nos aproxima.

Recolhendo memórias
Loureiros frondosos
E bancos de pedra
Caminhos tortuosos
E muros com hera
Violetas em julho
Jasmins em novembro
E sempre o perfume
De um jardim em flor.
Minha casa branca
O meu lar paterno,
Com lírios em outono
E rosas no inverno
Uma sala grande,
Um piano tocando ...
É, só na lembrança
E o tempo passando.

Balada de Outono II
Folha que adeja e cai
Folha que dança e cansa
Borboleta sem asas
Que flutua e balança.
De “Gisele’’ e de “Cisnes’’
És lembrança
Na leve sensação
Da semelhança.
Folha que adeja e cai
E repousa cansada
Sobre outras folhas mortas, 
Estendo um tapete
Dourado, na calçada. 

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