PÓS-ENCHENTE HISTÓRICA
A casa dos desabrigados
11 famílias compartilham alojamento, dramas e expectativas de dias melhores
A aposentada Olinda Moraes, 63 anos, chora recordando o que classifica como o dia mais triste de sua vida, quando viu sua casa ser arrastada por quase 100 metros pelas águas da cheia do Rio Jacuí. Ela conseguiu salvar apenas uma cama, uma televisão, uma geladeira e alguns itens de uso pessoal. A moradia, um chalé de único cômodo, teve sua estrutura comprometida, tornando Olinda uma das desabrigadas da catástrofe climática e que não tem onde morar.
Desde o início do último mês de maio, quando ocorreu a maior enchente da história de Cachoeira do Sul, ela está alojada provisoriamente, junto com outras 10 famílias em sua mesma situação, no Centro de Formação da Igreja Santo Antônio. Mantido pela Prefeitura e com segurança 24 horas por dia da Brigada Militar, o lar temporário abriga 31 pessoas. São nove mulheres, sete homens e 15 crianças, todos moradores das margens do Rio Jacuí, no Bairro Cristo Rei.
LAR DE VOLTA
As 11 famílias compartilham mais do que um alojamento. Elas dividem dramas e expectativa de dias melhores, principalmente de voltarem a ter, cada uma delas, a sua moradia. Eles estão em fase de cumprimento de etapas burocráticas para receberem o benefício Aluguel Social, que é de R$ 800,00 mensais por família e por período limitado a meio ano. O receio deles, no entanto, é de que, passados seis meses, não consigam um novo lar e nem tenham condições de assumir o pagamento de um aluguel.
O QUATRILHO
O que dizem moradores do abrigo
“Sou aposentada com um salário mínimo mensal, mas um familiar fez empréstimo bancário em meu nome e estou recebendo só R$ 400,00 ao mês. Com esse valor, mal consigo comprar comida e remédios. Não tenho para onde ir e nem previsão de voltar a ter uma casa. Em alguns dias eu choro de tristeza, mas em outros procuro ser forte e ter fé de que essa fase vai passar.
Cada vez que vejo o que sobrou da minha casa, escorada na cerca em que trancou e parou de ser carregada pela força da água, dá uma dor muito grande. Trabalhei a vida toda como pescadora e o pouco que consegui adquirir foi com muito sacrifício. Perder praticamente tudo o que eu tinha é uma dor imensa. A minha situação é desoladora, mas procuro viver um dia de cada vez, sempre com esperança de que terei de volta o que conquistei ao longo da vida.”
OLINDA MORAES, 63 anos, aposentada
“A vida toda morei em área de enchente e já estava acostumada a tirar os móveis cada vez que o Rio Jacuí começava a subir. Em outras oportunidades eu já havia ficado em abrigos da Prefeitura, mas pela primeira vez vi minha casa ser destruída. As paredes de alvenaria racharam e perdi todos os móveis. O rio subiu numa velocidade muito alta. Não deu para salvar nada. A dor de estar longe de casa, dos vizinhos e dos amigos é muito grande. E pior do que isso é saber que não tem uma previsão para voltar para o local onde morei a vida toda. O que estou vivendo parece um pesadelo. Parece que já vou acordar e que tudo não passou de um sonho ruim, mas infelizmente essa é a minha triste realidade.”
ROSÂNGELA NASCIMENTO, 60 anos, dona de casa
“Minha casa de madeira veio ao chão com a força da água. A enchente destruiu tudo: moradia, móveis e sonhos. Perdi a dignidade ao ficar rolando de um abrigo para outro e vivendo coletivamente com um monte de gente estranha. Ter o meu canto e as minhas coisas, por mais simples que seja, é algo que faz muita falta. A sensação é de que nunca mais vou recuperar o que eu tinha antes da enchente de maio. Passa uma semana e passa outra, e nada muda. Permaneço no abrigo, sem condições financeiras de alugar e muito menos de comprar uma casa. É uma dor que não passa, é um desespero constante.”
JAQUELINE BRITO, 33 anos, dona de casa
“Tem coisas que acontecem na vida que parecem ser para a gente mesmo. Sempre morei em áreas livres de enchente, mas em abril de 2024, um mês antes da maior cheia do Rio Jacuí, perdi meu emprego e fiquei sem condições de pagar aluguel. Uma amiga me emprestou uma casa que ela tinha no Bairro Cristo Rei e 20 dias depois da mudança, me tornei uma das vítimas da enchente. Só deu tempo de tirar a geladeira e a televisão. O resto foi destruído pela água, que também deixou muitos danos estruturais na residência. A casa precisará de reforma completa e eu não tenho dinheiro para a obra, tampouco para alugar uma casa. Minha meta é conseguir uma moradia e um emprego para voltar a ter minha vida digna junto aos meus quatro filhos.”
PÂMELA NEVES, 35 anos, cuidadora de idosos
LINHA DO TEMPO
A maior enchente de Cachoeira do Sul
Remoção das famílias envolveu veículos e embarcações durante os dias de enchente
30 DE ABRIL
Excesso de chuva faz o Rio Jacuí subir e famílias ribeirinhas são removidas de casa
1 DE MAIO
Prefeitura monta abrigo emergencial no ginásio Derlizão para famílias atingidas pela enchente
3 DE MAIO
Empresas, entidades, associações e grupo de voluntários trabalham para ajudar os desabrigados, oferecendo especialmente comida pronta para consumo em marmitas
6 DE MAIO
Cachoeira do Sul fica ilhada em função dos alagamentos em estradas e danos em ponte. Acesso à cidade só por barco ou avião
8 DE MAIO
1.088 pessoas estão fora de casa por causa da enchente em Cachoeira do Sul, onde o Rio Jacuí atingiu a cota histórica de 29,38 metros acima do nível do mar. 316 estão instalados em oito abrigos e outros 772 estão em casas de familiares e amigos
10 DE MAIO
Carretas com doações especialmente de alimentos, roupas e material de higiene e de limpeza vindas de outros lugares começam a chegar em Cachoeira do Sul
12 DE MAIO
Rio Jacuí começa a baixar e inicia a volta para casa de atingidos pela enchente
15 DE MAIO
Nível do rio volta a subir e a Prefeitura decreta situação de emergência
19 DE MAIO
Prejuízo econômico deixado pela enchente em Cachoeira do Sul é estimado em R$ 1,5 bilhão
31 DE MAIO
Governo federal reconhece o estado de calamidade de Cachoeira
2 DE JUNHO
Defesa Civil conclui levantamento: 74 casas foram destruídas pela enchente no município
5 DE JUNHO
Cachoeira ainda tem 86 desalojados residindo em abrigos
14 DE JUNHO
Cai para 44 o número de desabrigados pela enchente
24 DE JUNHO
Rio Jacuí volta a subir e a tirar gente de casa
1 DE JULHO
Rio Jacuí baixa e sai da cota de inundação
4 DE JULHO
86 pessoas seguem abrigadas na cidade, todas no Centro de Formação da Igreja Santo Antônio
29 DE JULHO
Projeto Seleção do Bem, do ex-técnico da Seleção Brasileira, Capitão Dunga, contempla Cachoeira do Sul com 10 casas para famílias desabrigadas pela enchente
20 DE AGOSTO
Cai para 39 o número de desabrigados pela enchente
10 DE SETEMBRO
31 pessoas de 11 famílias que tiveram suas casas destruídas pela catástrofe climática seguem abrigadas no Centro de Formação da Igreja Santo Antônio
Corte do Broto Cachoeira do Sul: auxílio aos desabrigados
O ABRIGO
Centro de Formação da Igreja Santo Antônio
- Cada família fica em um quarto. Os maiores são destinados às que têm maior número de integrantes
- Os banheiros são coletivos
- Cada família prepara as suas refeições. Há duas cozinhas coletivas e opção ainda de instalar fogão dentro do quarto
- A Prefeitura contribui com alimentos a serem preparados, como arroz, feijão, massa, óleo de soja e farinha
- O abrigo tem monitoramento 24 horas de servidores da Prefeitura e de uma guarnição da Brigada Militar
- É proibido o consumo de bebidas alcoólicas dentro do abrigo e a orientação é para que todos se recolham aos quartos entre 22h às 7h
Entulhos na rua, retirados das casas após a baixa das águas do Rio Jacuí
Unidos pelo Bem: um dos grupos de voluntários formado durante a enchente intermediou cinco carretas de doações para os desabrigados
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