Blog da Poesia

Almada Negreiros

08/02/2023 09:14 - por Tiago Vargas tiagovargas.uab@gmail.com

Desenhista, pintor, caricaturista, ilustrador, bailarino, cenógrafo, figurinista, artista plástico, ensaísta, romancista, dramaturgo e poeta... Este é o perfil múltiplo de Almada Negreiros, cuja produção artística nos enriqueceu substancialmente transitando em incursões pessoais,  com amplitude em todas as direções e gêneros possíveis.

Nascido em São Tomé e Príncipe em 7 de Abril de 1893, foi um dos fundadores da revista “Orpheu”, veículo de introdução do modernismo literário em Portugal, onde conviveu de perto com autores como, Mário de Sá Carneiro e Fernando Pessoa, seu amigo particular, o qual chamava carinhosamente de presidente-rei.

Construiu sua obra literária por entre tensões - dividido sobremaneira entre a intuição e a análise ou entre a vocação poética e o espírito ensaístico. Em todas suas manifestações escritas e criativas mostrou-se sempre com uma originalidade invulgar e uma grande capacidade de invenção e superação.

Em sua poética, o autor autodidata destacou características veementes e de força irônica ímpar,  frisando para a importância do paralelismo que assumia contornos de uma simplicidade vigente e recorrente. Definido por Pessoa como espontâneo e rápido, Negreiros foi formal e vigoroso; um dos principais nomes da literatura em língua Portuguesa. Equilibrista de sensações, seu legado inventivo fala por si só. 

Canção da Saudade
Se eu fosse cego amava toda a gente. 

Não é por ti que dormes em meus braços que sinto amor. Eu amo a minha irmã gêmea que nasceu sem vida, e amo-a a fantasiá-la viva na minha idade. 

Tu, meu amor, que nome é o teu? Dize onde vives, dize onde móras, dize se vives ou se já nasceste. 
Eu amo aquela mão branca dependurada da amurada da galé que partia em busca de outras galés perdidas em mares longíssimos. 

Eu amo um sorriso que julgo ter visto em luz do fim-do-dia por entre as gentes apressadas. 
Eu amo àquelas mulheres formosas que indiferentes passaram a meu lado e nunca mais os meus olhos pararam nelas. 
Eu amo os cemitérios - as lajens são espessas vidraças transparentes, e eu vejo deitadas em leitos floridos virgens nuas, mulheres belas rindo-se para mim.

Eu amo a noite, porque na luz fugida as silhuetas indecisas das mulheres são como as silhuetas indecisas das mulheres que vivem em meus sonhos. Eu amo a lua do lado que eu nunca vi. 

Se eu fosse cego amava toda a gente. 
Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1' 

 

Não sei sonhar senão a vida
[...] não sei viver senão o sonho.
Almada Negreiros

Mãe!
ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado!
Mãe!
passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!
Almada Negreiros

Entrei numa livraria. Puz-me a contar os livros que ha para ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria.
Deve certamente haver outras maneiras de se salvar uma pessoa, senão estou perdido.
No entanto, as pessoas que entravam na livraria estavam todas muito bem vestidas de quem precisa salvar-se.
Almada Negreiros

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