Blog da Poesia
A poesia folclórica e urbana de Mário de Andrade
O intelectual, além de poeta e romancista, foi um estudioso da música e do folclore brasileiro, crítico literário e ativista cultural.
A poesia de Mário de Andrade foi desenvolvida, assim como seus contos e romances, em duas vertentes: a urbana em um primeiro momento, e a folclórica, posteriormente.
Através de seus poemas é possível entender o contexto social que o Brasil atravessava e compreender um pouco a história dessa personalidade essencial para a construção da identidade nacional.
Além de Ode ao burguês e outros clássicos da nossa literatura, o Blog da Poesia, mostra um outro lado, uma outra vertente de um dos maiores e mais importantes poetas brasileiro de todos os tempos.
Poema
Neste rio tem uma iara....
De primeiro o velho que tinha visto a iara
Contava que ela era feiosa, muito!
Preta gorda manquitola ver peixe-boi.
Felizmente velho já morreu faz tempo.
Duma feita, madrugada de neblina
Um moço que sofria de paixão
Por causa duma índia que não queria ceder pra ele,
Se levantou e desapareceu na água do rio.
Então principiaram falando que a iara cantava, era moça,
Cabelos de limo verde do rio...
Ontem o piá brincabrincando
Subiu na igara do pai abicada no porto,
Botou a mãozinha na água funda.
E vai, a piranha abocanhou a mãozinha do piá.
Neste rio tem uma iara..
Poema traz a narrativa de um mito muito conhecido no Brasil: a história da sereia Iara.
O texto encontra-se na obra Clan do Jabuti, de 1927.
Aqui o autor adota uma atitude de contador de histórias, como se fosse um personagem tipicamente brasileiro que narra um causo folclórico.
Vale a pena destacar que Mário de Andrade era um profundo conhecedor da mitologia e costumes do país, sendo um importante folclorista e tendo viajado para as mais remotas regiões do território brasileiro.
Mário apresenta Iara de três maneiras distintas: “feiosa, preta gorda maquitola”, “moça, cabelos de limo verde rio”, e na forma de “piranha”.
Ao fazer isso, e ainda incluir um personagem velho, um moço e um “piá” (criança), o autor exibe um mito que sofre todas as alterações ao longo do tempo, adquirindo formas e valores diversos, como é próprio da cultura popular que é passada de geração em geração.
Quando eu morrer
Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.
Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.
No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.
Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.
O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade...
Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade...
As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.
Quando eu morrer foi publicado em Lira Paulistana (1945), já no fim de sua vida. Aqui, o poeta faz um balanço de sua existência, ao recomendar que seu corpo seja fragmentado e atirado cada parte em um local de São Paulo que lhe foi importante na vida.
Mário mais uma vez faz uma homenagem a sua cidade, citando lugares estratégicos da capital e revelando um pouco sobre si e seus anseios.
Cabe ressaltar que a capital paulistana, sua população, história e lugares, foi bastante retratada em sua produção literária.
O autor traça ainda um paralelo nesse texto com a poesia romântica, que tinha o tema da morte muito presente.
O falecimento de Mário de Andrade ocorreu no dia 25 de fevereiro de 1945.
O intelectual morreu de ataque cardíaco aos 51 anos.
Obras principais de Mário de Andrade
Mário de Andrade foi um homem com múltiplos talentos e deixou como legado uma extensa obra literária. Seus livros de maior importância são:
• Há uma Gota de Sangue em Cada Poema (1917)
• Pauliceia Desvairada (1922)
• Losango Caqui (1926)
• Clan do Jabuti (1927)
• Amar, Verbo Intransitivo (1927)
• Ensaios Sobra a Música Brasileira (1928)
• Macunaíma (1928)
• Remate de Males (1930)
• Os Contos de Belasarte (1934)
• O Aleijadinho de Álvares De Azevedo (1935)
• Música do Brasil (1941)
• Poesias (1941)
• O Movimento Modernista (1942)
• O Empalhador de Passarinhos (1944)
• Lira Paulistana (1945)
• O Carro da Miséria (1947)
• Contos Novos (1947)
• O Banquete (1978)
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