Blog Da Poesia

Célia Maria Maciel

29/03/2023 09:58 - por Tiago Vargas

Célia Maria Maciel nasceu em Cachoeira do Sul em 1946; é formada em Jornalismo, Letras, Ciências Sociais e Especialista em Literatura Brasileira e Escrita Criativa. Nossa poetisa é autora de Campos de arroz maduro; Mariana quatro olhos; Passo pássaro passado; Criaturas minhas; O pais do nariz, dos olhos, da boca e de outras partes interessantes... ; Perfume para Madame Rosa e Ao menor sopro, este último finalista do Prêmio Açorianos de literatura em 2014. 

Célia também contribuiu com publicações esparsas em revistas, como a Ponto e vírgula e em jornais como Correio do Povo e Zero Hora. Entre os anos de 1979 e 1981 foi repórter e ... Inteligente. 

Delicada e requintada cronista do Jornal do Povo.
Participou de inúmeras coletâneas/antologias, entre elas Minhas cidades, organizada por Luiz Coronel, Antologias do Sul- Poetas Contemporâneos do Rio Grande do Sul, coordenada por Dilan Camargo e das quatro primeiras edições dos Poetas do Vale.
Foi patrona da Feira do Livro de Cachoeira do Sul em 1999 e de São Sepé em 2000.
Entre as premiações recebidas destaque para o Prêmio Lila Ripoll de poesia em 2005, Concurso Literário Felippe D'Oliveira, em 2003 e Concurso de Poesia Mário Quintana em 1999.

Em 2014 Célia foi homenageada pela Escola Aldeanos do Samba com tema Trouxe o sonho de encantar, Célia Maria Maciel, é Aldeanos que hoje vem lhe homenagear, trazendo para a importante agremiação o título depois de 20 anos de espera. Trata-se de um dos nomes mais importantes e relevantes de nossa literatura. 

Poetisa do verso aparentemente simples, das palavras certeiras, que ilumina pensamentos e empresta luz em seus escritos para recortes cotidianos. A poesia de Célia é de muitos adjetivos: inventiva, atemporal, genuína, contemplativa, vigorosa, minuciosa, urgente, eficaza exploradora das metáforas.

 Seus poemas são de uma madurez impecável (carregados de um extraordinário poder lírico). O que dizer de versos como “não sirvo pra rosa dos ventos, nem para dança de salão, não sei dizer poemas de cor, mas conheço a ausência e sua dor – sou aquela flor – ao menor sopro''?

São escritos que transcendem. Dignificam. Engrandecem.
 Sobre as palavras um olhar atento e humano; a poesia reflexiva que nos faz plenos, inteiros.
 Salve Célia Maria Maciel.
 Necessária e fundamental. Imprescindível para quem gosta de ler.


De árvores e partos

Só faço caso do lápis e do papel
O resto tem o meu descaso

Quanto desaponto ideias em pedaços
Desvio de alas e atalhos
E me perco deserta

Só uma palavra-água me recupera 
E me arvoro a dar à luz
Um padecer poema.
 

A idade dos anjos

Beijos na boca podem ser fortes
Cortes – quem sabe ternos
Quase fraternos

Escapam com sabor de éter
Sal saliva anestésico

Pairam os lábios entreabertos
Junto às vértebras de um frêmito
Menos que nada etéreo sopro

E a gente quer porque quer
Que os beijos sejam eternos.


O que dói

A solidão dos outros
Nos parece distante
-navios aportados
No horizonte -

Quando a solidão é nossa
Deixamo-nos ficar
Feito rio que não encontra
O mar para desaguar.


Alguns livros de Célia:

    


Toalha xadrez

Café quente e goles de novas conversas
Aí perguntas se a primavera começa 
Em abril

Sim cada estação é inédita dentro de nós

A primavera talvez comece no outono
Assim como o desgosto se inicia no corpo
Sobre para o rosto
E afunda no veio do olho.


É a morte este vento forte
E atrevido que até parece
Vinte ventos de uma só vez.

São vinte vozes desnorteando
O réu sem culpa a travessia
E a travessura da menina.

É a morte um suspiro círio 
Sapato novo depois um lírio.

E o quase é nada.
 

As pernas

A centopeia tem muitas pernas. Nós
temos duas. Na Galileia, os homens
e as mulheres também só têm duas.
A vaca tem quatro.
A mesa tem quatro.
A gente caminha com as pernas.
Elas correm. Pulam. Dançam.
A gente vai onde quer.
Sem as pernas a gente também
vai onde quer. É só fechar os olhos.
E pensar coisas.
As coisas que pensamos têm pernas.
Às vezes até asas.

revoadas

Ensinar é um voo. Aprender é outro.
O primeiro é feito com os pés na terra.
O outro com a imaginação.
E às vezes é até avoado.
O primeiro provoca pés-de-vento.
O segundo ensaia ventanias.
Ensinar é feito voo rasante.
Aprender é um looping.
O primeiro é voo que seduz.
O outro quase sempre inventa luz.


Perdoa a impaciência
É custoso
Cobrir o sol
Com o manto roto
Perdoa o cansaço
É dolorido
Arrastar
O pássaro morto
Perdoa a sede
É simples
A dor de não ser.

Minha verdade é inversa
Não cabe na porta do verso
Quando acordo surpreendo-me
Nela 
E a encontro
Sentada tranqüila
Como uma mulher grávida
Descascando laranjas.
Quando durmo
Ela se estende
Nas duas faces da moeda
E deixo-a seguir
Silente
Como as estrelas não perseguidas
Até que num tempo de festa
Ela possa habitar a luz.


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