Blog Da Poesia

Conceição Evaristo

10/05/2023 10:21 - por Tiago Vargas

Conceição Evaristo nasceu em 29 de dezembro de 1946, numa favela da zona sul de Belo Horizonte, Minas Gerais. Conciliou os estudos com o trabalho de empregada doméstica. Graduou-se em letras. É Mestre em Literatura Brasileira pela PUC/RJ e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense. Publicou seu primeiro poema em 1990 no 13 º volume dos cadernos negros, editado pelo grupo Quilombhoje, de São Paulo.

É autora de Ponciá Vicencio (2003), Olhos d'água (2014, vencedor do Prêmio Jabuti) e Histórias de leves enganos e parencenças (2016) entre outros... Conceição traz em sua literatura uma profunda reflexão acerca das questões de raça e gênero; em seu texto insurgente revela o preconceito e desigualdade velada tão intrínseca em nossa sociedade.

Escritora contemporânea. De estilo fluído. Consciente. Reescreve sua história a partir de suas vivências. Nome substancial, necessário e relevante na literatura recente.

Da calma e do silêncio
Quando eu morder
a palavra,
por favor,
não me apressem,
quero mascar,
rasgar entre os dentes,
a pele, os ossos, o tutano
do verbo,
para assim versejar
o âmago das coisas.
Quando meu olhar
se perder no nada,
por favor,
não me despertem,
quero reter,
no adentro da íris,
a menor sombra,
do ínfimo movimento.
Quando meus pés
abrandarem na marcha,
por favor,
não me forcem.
Caminhar para quê?
Deixem-me quedar,
deixem-me quieta,
na aparente inércia.
Nem todo viandante
anda estradas,
há mundos submersos,
que só o silêncio
da poesia penetra.
Conceição Evaristo

Só de sol a minha casa
A Adélia Prado, com licença, que também sou mineira

Durante muito tempo,
também tive um sol
a inundar a nossa casa inteira,
tal a pequenez do cômodo.
Pelas fendas do machucado zinco,
folhas escaldantes de nosso teto,
invasivos raios confrontavam
pontos de mil quentura.
E Jorrantes jatos de fogo
Abrasavam o vazio
de um estorricado chão.
Em dias de maior ardência,
minha mãe alquebrava
seu milenar e profundo cansaço
no recorte disforme
de um buraco - janela sem janela –
acontecido no centro de uma frágil parede.
(rota de fuga de uma presa a inventar a extensão de um prado)
Eu não sei por que, ela olhava o tempo
e nos chamava para perscrutar
em que lugar morava a esperança.
Olhávamos.
Salvou-nos a obediência.
Conceição Evaristo

Carolina na hora da estrela
No meio da noite
Carolina corta a hora da estrela.
Nos laços de sua família um nó
- a fome.
José Carlos masca chicletes.
No aniversário, Vera Eunice desiste
do par de sapatos,
quer um par de óculos escuros.
João José na via-crúcis do corpo,
um sopro de vida no instante-quase
a extinguir seus jovens dias.
E lá se vai Carolina
com os olhos fundos,
macabeando todas as dores do mundo...
Na hora da estrela, Clarice nem sabe
que uma mulher cata letras e escreve
“De dia tenho sono e de noite poesia”
Conceição Evaristo

Vozes-mulheres
A voz de minha bisavó ecoou
criança
nos porões do navio.
Ecoou lamentos
De uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
No fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e fome.
Conceição Evaristo

Inconveniência
Palavras grosseiras
ácidas
agressivas
mostram um curriculo emocional
fragmentado
mutilado
Desprezas relações
desapegas afeto
e marcas a alma
Precisas agredir
para existir ?
Zaira Cantarelli

Plágio
Vamos imitar os machistas do mundo,
Ignorar seus desejos,
Presenteá-los para seduzi-los,
Comê-los quando e como quisermos,
Estuprá-los caso “mereçam”,
Matá-los se atrevidos,
Explorá-los se submissos,
Empregá-los se assediáveis,
Desempregá-los se envelhecidos,
Difamá-los se orgulhosos,
Amaldiçoá-los se superiores.
Vamos priorizar nossos orgasmos, multiplicar nossos pares.
Sejamos insaciáveis, promíscuas, mentirosas, vulgares.
Ei, gostoso, que tal um filminho lá em casa hoje?
Tereza D'uzai

Luta
Hoje nem a caneta suporta o
peso da minha mão
risca grosso
tal como a enxada fincando a terra podre ou
quando bate sua ponta
no piso inútil e se ergue para descer
com mais força, mais força
até achar a terra que se esconde.
No papel, o vinco
revelando as primeiras letras,
a mão pesa sobre a caneta:
Eis que nasce uma palavra.
Priscila Chruscinsky

Seja leve
seja breve
deixe o tempo
curar o amor...
fique se quiseres
ou levante voo
nada importa
se foi muito 
se foi pouco
vale se foi amor...
Mara Garin

Faça seu login para comentar!