Blog Da Poesia

Bruna Escaleira

12/04/2023 09:33 - por Tiago Vargas

Bruna Escaleira nasceu em 27 de outubro de 1988 em São Paulo. É jornalista e escritora. Pesquisa literatura e feminismos na USP e faz parte do coletivo Circular de Poesias. Escreve desde que aprendeu a combinar as letras. Hilda Hilst, Silvina Ocampo e Florbela Espanca são algumas de suas referências.

Publica poemas e prosas no blog Algo-a-declarar.blogspot.com desde 2007. Estranhamento é sua primeira obra completa e reúne criações de 2012 e 2013. Seus versos se caracterizam como uma espécie de visita íntima, pessoal onde qualquer ideia ou conceito esbarra na poesia demarcando uma presença física forte e simbólica. Autora contumaz e talentosa.  Marcante. Ousada e Íntegra. 

desvertebrados
entre a nuca e o cox existe um caminho
que você desconstrói com as pontas dos dedos
derreto aos pou qui nhos
devezevaporo
nossos centros de gravidade se transportam de um por outro
no balanço, se misturam
criam outra dimensão 
e depois de acordar, encharcada
me pergunto: que cola?
suas mãos deslizantes descolaram cada vértebra
e me grudaram na cabeça 
juntos, transcendemos
os limites do esqueleto 
desestruturados
construímos o prazer
Bruna Escaleira

despir-se
escrever é o ato público
mais íntimo
porque as letras tocam apenas
quando a pele se faz eu lírico
só o poeta nu
escuta as flores
Bruna Escaleira

litros de coisas equivocadas
quando eu não sabia que quantidade não é a única medida
nunca tinha te provado em colheradas
nem sentido dor em machadadas
e não tinha ideia de que duração não serve pra nada
assim como rimas furadas
de cabeças todas erradas
Bruna Escaleira

ao meu avô
busco um cheiro que já não existe
sinto saudades de algo que nunca foi
pairo numa melancolia confusa
que farfalha sorrisos internos
imprevisíveis
de súbito, a vista da janela me desanuvia a mente
os pisca-piscas mal colocados
a televisão ligada na penumbra da sala
aconchego de porta aberta
me comovem
e o que me sobra é a presença do seu conforto
deslocada nesta cena
e nos meus olhos

despir-se
escrever é o ato público
mais íntimo
porque as letras tocam apenas
quando a pele se faz eu lírico
só o poeta nu
escuta as flores
entranhamento
uma pele bem tocada
é superfície de entranhas

língua vital
do que é que o corpo fala que idioma nenhum participa?
que nem o gesto mais sutil apreende?
só o toque no toque, de fato, transmite
os mistérios profundos que nos movem as entranhas
seria o sexo a única forma de comunicação real?
capaz de transpor fronteiras entre seres
e uni-los na verdadeira língua materna
sabedoria de gaia, pacha mama, ciclo vital
idioma que todos nascemos sabendo
e por não saber da própria sabedoria
acabamos, com esforço, esquecendo
chega um dia em que tal lembrança nos falta
e buscamos nas línguas e linguagens todas
a essência perdida que nunca carregam
sexualidade
ou imensidão
no oceano da pele
nado em águas livres

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