Blog da Poesia
Mailson Furtado
Maílson Furtado, 27 anos nasceu em Varjota, cidade 17 mil habitantes, no sertão do Ceará. Fã de Ariano Suassuna, Ana Cristina César e Chacal, o poeta escreveu "A Cidade'', obra escolhida não só como melhor publicação de poesia, mas também como livro do ano Prêmio Jabuti 2018, honraria máxima da principal premiação literária do país. Improvável e histórico. Inverossímil.
Em 60 anos do Jabuti, essa foi a primeira vez em que o melhor livro foi de um autor independente, assim como são chamados aqueles que publicam se sem escritos sem apoio de uma editora. Mailson fez tudo sozinho, escreveu à mão os versos de "A Cidade'', fez o desenho que estampa a capa, editou, revisou e diagramou.
E também vendeu no boca a boca, os 300 exemplares da tiragem inicial, pagas do próprio bolso. Seus livros anteriores foram "Sortimento'', "Conto a conto'' e "Versos Pingados'', todos produzidos de forma autônoma. Poeta visceral, original. Atípico. Extraordinário. Seu nome agora figura ao lado de ganhadores de edições passadas como Rubem Fonseca, Luis Fernando Veríssimo, Ferreira Gullar, Hilda Hilst, Marina Colasanti...
ENSAIO À SAUDADE n°1
a saudade passeia
passeia por tantas bandas
tantas tantas tantas
sempre a brincar de ir-não-ir
se enfeita num retrato já antigo
amarrotado
rasgado pelo tempo que o rugou
se desbota numa parede
sem pintura
de onde estava ontem
anteontem
a fazer qualquer besteira
se emborca numa rua
que já foi nua há vinte anos
das coisas d’agora
hoje não mais
a saudade passeia
passeia por onde nem mais
: por onde o trilho que o trem não mais corre
pelo orelhão que abençoou tantos filhos lá pelo rio de janeiro
pelo ontem que dobrou a esquina do calendário
pela saudade da saudade da saudade
pela morte que se prontifica a viver
a saudade nela mesma
passeia
Maison Furtado
epopeia do passeio da luz
no início
foi tudo luz
que antes talvez
(também)
depois a terra latejou outros dias
ficou nublada outros dias
naquele tempo
a luz já passeava
era adolescente
repartia o amor
era do céu
era do chão
foi passear no tempo
: lua vagalumes fogo
fogo
fogo fogueiras incêndios
fogo (fumaça) a se afogar
e mais fogo fogo fogo
faísca fogo faísca
tiro fogo tiro tiro
(e pra alguns ficou escuro)
e mais fogo entre lua vagalumes (e tiros – sempre entre parênteses) e assim outras faíscas:
lâmpada led leds lâmpadas outros leds
(que se meteram no buraco do pixel sem-tamanho)
e a gente se perdeu
(no calendário
sem-data)
cegos por excesso
a futricar cor
o que a vida
senão um s’esconder
do escuro?
[da janela
de um ônibus]
urubu
na tv
o conheci
antes mesmo de
ser
pra mim
menino
: bicho esquisito
daqueles da national geografic
encontrei-o
tempos depois
na janela
do ônibus
a futricar o último
rastro de vida
(ou primeiro de morte)
do que já
não existia
: são bichos negros
(toantes)
são fortes
comem a morte.
seputam os vermes.
e
voam. suspendem o ar.
seguram o sol
(que não dá
beira a ninguém)
e desenham o chão
a sua sombra
que não sobra
no asfalto
que já passou
do para-brisa
pralém
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