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Não Solte!: conto infantil de terror

07/11/2024 09:36 - por Jorge Ghiorzi jghiorzi@gmail.com

As casas são elementos utilizados com frequência como espaços de confinamento onde transcorrem muitos filmes de terror. Seja como ambiente de manifestação de forças malignas ou como local de abrigo e refúgio, o fato é que as casas normalmente assumem a condição de “personagem” ativo das narrativas construídas com o objetivo de provocar o medo ao confrontar o limite entre o real e o sobrenatural. A ameaça, em última ordem, se manifesta como um poder sinistro que rompe o equilíbrio e a harmonia – ainda que aparente – de um lar doméstico. A tal da casa mal-assombrada é um clássico das histórias de terror.

Pois justamente uma casa – olha ela aí de novo - é o elemento catalizador de todos os mistérios e espíritos do além que espreitam uma família no thriller de terror “Não Solte!” (Never let go, 2024). O longa-metragem é estrelado e produzido por Halle Berry, atriz vencedora do Oscar por seu desempenho em “A Última Ceia”, de 2002. A direção é de um especialista do gênero, o francês Alexandre Aja, que já demonstrou sua identificação com os filmes de gênero nos longas “Alta Tensão” (2003), a refilmagem “Viagem Maldita” (2006), o remake “Piranha” (2010) e “Predadores Assassinos” (2019), aquele dos crocodilos que invadem uma casa inundada por uma enchente, cuja sequência está em produção, mais uma vez com direção de Aja.

O núcleo narrativo de “Não Solte!” fica limitado aos arredores de uma casa isolada em meio a uma densa floresta, ou pelo menos, até aonde a corda esticada que prende seus moradores pode chegar. A explicação para esta condição inusitada é o grande mistério da história. Na casa reside uma família formada por uma mãe e dois filhos gêmeos pré-adolescentes, órfãos de pai.

Segundo um ritual pagão proferido pela mãe, todos eles só podem sair de casa se estiverem amarrados por uma corda que os liga diretamente com a moradia, construída com madeira de origem sagrada. A crença é de que desta forma estariam protegidos dos espíritos e entidades sobrenaturais que vivem na floresta e rondam ameaçadoramente a casa, sem, no entanto, invadi-la, porque aquele ambiente familiar seria um refúgio seguro.

Com esta premissa a primeira referência que nos vem à mente é o conto de fadas “João e Maria”, celebrado na obra dos irmãos Grimm. Neste clássico infantil os dois irmãos demarcam sua trilha segura de volta para casa com pedrinhas e migalhas de pão, assim escapando da morte.

A analogia entre as duas histórias é totalmente justificável, ainda que caminhem por abordagens e desfechos completamente distintos. Enquanto a fábula de “João e Maria” é uma historinha de fundo moral para fazer as crianças dormirem, o filme “Não Solte!” se configura como um sombrio conto infantil de terror.

A casa como elemento simbólico de segurança é muito presente no conceito de “Não Solte!”. Outra analogia que o filme parece propor é a ideia de que as cordas que garantem a vida dos personagens sejam entendidas como cordões umbilicais não seccionados, que asseguram a garantia da vida antes do nascimento. No caso específico aqui, o que poderíamos definir como “nascimento” seria a plena compreensão dos fatos que revela e desperta a consciência.

Romper as cordas (cortar o cordão umbilical), resultaria, portanto, no processo final de libertação, física e psicológica, da influência da mãe. Neste aspecto o filme de Alexandre Aja peca por ser tão literal e óbvio em suas metáforas. Na verdade, não há um problema em si com as analogias, pois contém um valor narrativo interessante. O ponto que fragiliza o resultado é a ausência de uma complexidade na apresentação destes elementos. Eles apenas estão lá, em cena, um tanto gratuitos. Meros artifícios estéticos sem a devida reflexão crítica que as justifique no contexto geral.

Apesar da forte presença da matriarca zelosa interpretada por Halle Berry, a história se desenvolve sob a perspectiva dos filhos. O olhar deles, bem como da sua limitada compreensão dos fatos, conduz nosso mergulho naquele universo de crenças e mitos. O medo da morte é real. As ameaças seriam também? Deste impasse se constrói o suspense psicológico no qual “Não Solte!” se transforma em seus dois atos finais.

Na condição de espectadores somos conduzidos para um determinado destino até que lá pelas tantas as dúvidas começam a nos sobressaltar. Será isso mesmo? Há então uma mudança de percepção sobre tudo que assistimos. Reconsideramos parcialmente os fatos apresentados e colocamos a narrativa em outra rota. Quando achamos que as peças todas foram rearranjadas em seu devido lugar, novas ocorrências voltam a desordenar o conforto da plena compreensão do todo.

“Não Solte!”, que inicia como um filme de terror raiz, aos poucos se transforma em um suspense psicológico de pouca inspiração, frustrando todas as boas expectativas criadas por descontinuar toda a alegoria construída com algum êxito. Uma análise sobre o poder da crença é um dos ótimos temas desperdiçados pelo realizador Alexandre Aja, que revela uma indecisão sobre exatamente qual projeto desejava fazer. Para fãs ou detratores, “Não Solte!” é um possível filme de M. Night Shyamalan não realizado por Shyamalan. Para o bem ou para o mal. 

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