Blog do Cinema
Coringa – Delírio a Dois: entre o asilo e o tribunal
O primeiro filme solo do Coringa causou alguma surpresa aos fãs quando se revelou uma produção que ambicionava um realismo incomum nas aventuras de personagens de HQs. Ainda que, ao longo da trama, o longa assumisse pouco a pouco um clima de farsa com pretensão política. Para a segunda incursão solo do personagem o realizador Todd Phillips (de “Se Beber Não Case!”) acelera e radicaliza, transformando tudo em uma delirante fantasia musical.
“Coringa: Delírio a Dois” (Joker: Folie à Deux, 2024) inicia dois anos depois dos eventos do filme anterior. Após os crimes cometidos, Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) é internado no Asilo Arkham, hospital psiquiátrico destinado aos criminosos alucinados e mentalmente perturbados. Enquanto espera pelo julgamento – onde a alegação de insanidade o tornaria inimputável – Arthur conhece Lee Quinzel (Lady Gaga), também internada na instituição. Juntos passam a viver uma louca paixão, motivados pelo desejo de fuga e embalados por delírios musicais.
O “Coringa” de 2019 reverenciou o estilo de cinema urbano e pessimista dos anos 70, tendo “Taxi Driver” como a grande matriz inspiradora. A continuação segue bebendo nesta fonte setentista. Aqui temos ecos de “Um Estranho no Ninho” nas sequências que se passam na instituição psiquiátrica. Em termos de estrutura longa é dividido em dois grandes atos. O primeiro se passa totalmente no Asilo Arkham, onde Arthur Fleck passa por péssimos momentos de violência física e mental. A segunda metade do filme tem como cenário o Tribunal, onde acontece seu longo julgamento pelos cinco assassinatos ocorridos no filme anterior.
Para o bem ou para o mal, a decisão mais significativa de Todd Phillips (também roteirista) foi a transformação de “Coringa: Delírio a Dois” em musical. Então, estamos diante do clássico dilema do ovo e da galinha. O filme é um musical porque Lady Gaga está no elenco, ou Lady Gaga está no elenco porque o filme é um musical? O fato objetivo é que a inclusão de números musicais se revela um tanto gratuita pois não acrescenta nada substancial à narrativa. A sensação que transmite é de estarem ali apenas para alongar um roteiro que tem pouca história a contar. Isto para não falarmos que não existe nenhum número sequer próximo do memorável.
“Coringa: Delírio a Dois” prossegue no caminho do primeiro filme. O interesse da trama permanece totalmente focado no personagem central. Não abre espaço para outras abordagens, nem tramas paralelas, muito menos a elaboração de um plano criminoso, como seria de esperar em um vilão em formação. A bem da verdade Arthur Fleck / Coringa é um personagem essencialmente covarde, cujas circunstâncias, que independeram do seu desejo, o transformam em um involuntário agente catalizador do caos e da anarquia. O fato objetivo é que aqui o Coringa ainda não possui adversários, além dele próprio.
O foco do diretor Todd Phillips permanece o mesmo, promover um mergulho na psique perturbada de Arthur Fleck, estabelecendo as bases que constituem sua personalidade fracionada e seu viés vilanesco, manifestado pela origem do narcisista Coringa. Enredado nesta perspectiva o filme não avança, se move em círculos, não apresenta um caminho. Ainda não foi desta vez que vimos o primeiro enfrentamento entre Coringa e Batman. No universo das adaptações de HQs para o cinema já assistimos muitas vezes filmes de origem. O ineditismo aqui é o fato de termos dois filmes inteiros contando essencialmente um imenso arco dramático: a origem profunda do vilão piadista e sua risada maligna.
A expectativa para a sequência de “Coringa” era grande. O que entrega de fato é uma profunda decepção, que frustra totalmente qualquer tipo de espectador, do fã mais dedicado ao interessado eventual. O final aberto coloca possibilidades para o futuro. Caso haja um terceiro filme solo do personagem, que encontrem urgente o caminho certo, porque desta vez a piada não teve graça alguma. “Coringa: Delírio a Dois” é redundante, pretencioso e vazio.
Encontrou algum erro? Informe aqui