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Cruz e Sousa e a poesia simbolista

21/05/2025 09:18 - por Tiago Vargas tiagovargas.uab@gmail.com

Cruz e Sousa, poeta negro catarinense, está registrado na história da literatura brasileira como o mais importante poeta do simbolismo. Filho de pais negros escravizados, foi apadrinhado ainda criança pelo senhor de escravos, recebendo, como afilhado, uma educação formal erudita, o que lhe possibilitou acesso ao melhor da literatura de sua época.

Apesar de ser um intelectual à altura de qualquer outro, sua condição de homem negro impôs-lhe o preconceito racial ao longo de sua vida. Atento à realidade que o circundava, tornou-se um atuante abolicionista, autor de poemas e textos em prosa contrários à escravidão.

Características literárias de Cruz e Sousa

Forma
Preferência pelo soneto;

Linguagem
- Subjetiva;
- Vaga e imprecisa, com predominância de sugestões ao invés de nomeações objetivas;
- Predominância de substantivos abstratos;
- Predominância de adjetivos;
- Uso frequente de figuras de linguagem, como metáfora, comparação, aliteração, assonância e sinestesia.

Conteúdo
- Temáticas ligadas ao misticismo e à religiosidade;
- Expressão de estados mentais contemplativos;
- Predominância de um tom pessimista, que expressa a dor existencial do eu lírico;
- Interesse por temáticas ligadas ao mistério, à noite, à morte;
- Predominância de uma visão de mundo antirracionalista e antimaterialista, o que lembra o romantismo.

Obras de Cruz e Sousa
- Broquéis (1893) – poesia
- Missal (1893) – poemas em prosa
- Tropos e fantasias (1885) – poemas em prosa (parceria com Virgílio Várzea)

Obras póstumas
- Últimos sonetos (1905)
- Evocações (1898) – poemas em prosa
- Faróis (1900) – poesia
- Outras evocações (1961) – poemas em prosa
- O livro derradeiro (1961) – poesia
- Dispersos (1961) – poemas em prosa

Poemas de Cruz e Sousa

Cárcere das almas
Ah, Toda a alma num cárcere anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,

Mares, estrelas, tardes, natureza.
Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades

Rasga no etéreo Espaço da Pureza.
Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silêncios solitários, graves,
Que chaveiro do Céu possui as chaves
Para abrir-vos as portas do Mistério?!

Nesse poema, Cruz e Sousa expressa os principais aspectos formais e temáticos que caracterizaram o simbolismo, como o sofrimento humano, que se manifesta, ao longo dos versos, por meio da oposição entre corpo e alma, em que a alma só se liberta quando se rompem as correntes que a aprisionam à matéria corporal.

Além desse tom metafísico (ou seja, para além da física) e espiritual, há no poema, como traço muito marcante da estética simbolista, a constante presença de metáforas, o que faz com que haja muitas sugestões e não explicitações das mensagens transmitidas pelo eu lírico. Por exemplo, em nenhum momento do poema fala-se explicitamente da palavra morte, porém infere-se que o romper das correntes refere-se à perda da vida e, consequentemente, à libertação da alma.

Outra característica simbolista presente no poema, além da presença das metáforas, diz respeito ao uso da sinestesia, figura de linguagem caracterizada pela junção de aspectos sensoriais, como se nota neste verso: “Ó almas presas, mudas”. Em relação aos aspectos formais, Cruz e Sousa também expressa uma tendência simbolista: a construção de sonetos, forma consagrada pela literatura clássica.

Carnal e místico
Pelas regiões tenuíssimas da bruma
vagam as Virgens e as Estrelas raras...
Como que o leve aroma das searas
todo o horizonte em derredor perfuma.

Numa evaporação de branca espuma
vão diluindo as perspectivas claras...
Com brilhos crus e fúlgidos de tiaras
as Estrelas apagam-se uma a uma.

E então, na treva, em místicas dormências,
desfila, com sidéreas latescências,
das Virgens o sonâmbulo cortejo...

Ó Formas vagas, nebulosidades!
Essência das eternas virgindades!
Ó intensas quimeras do Desejo...

Nesse poema, Cruz e Sousa explora, na primeira estrofe, outra característica recorrente na literatura simbolista: o uso de aliteração, repetição intencional de vocábulos consonantais. Na primeira estrofe, por exemplo, observa-se o emprego da consoante v nas palavras “vagam”, “Virgens”, presentes no segundo verso, e na palavra “leve”, presente no terceiro verso.

Outra característica simbolista manifesta-se no emprego de substantivos abstratos (“aromas”, “evaporação”, “brilhos”, “formas”, “essência”, “quimeras”) e de adjetivos (“raras”, “claras”, “crus”, “sidéreas”, “sonâmbulo”, “vagas”, “eternas”), o que contribui para o clima sugestivo e abstrato que perpassa todo o poema. 

Acrobata da dor
Gargalha, ri, num riso de tormenta,
como um palhaço, que desengonçado,
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
de uma ironia e de uma dor violenta.
Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos, e convulsionado
salta, gavroche, salta clown, varado
pelo estertor dessa agonia lenta ...
Pedem-se bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
nessas macabras piruetas d'aço. . .
E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente,
ri! Coração, tristíssimo palhaço.

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