Blog da Poesia

Júlio Castañon

03/12/2025 09:51 - por Tiago Vargas tiagovargas.uab@gmail.com

Júlio Castañon nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 1951 e vive no Rio de Janeiro. Seus livros de poesia foram reunidos em Poemas, de 2006, tendo publicado a seguir Do que ainda, editado em 2009.

Escreveu também estudos, como Por que ler Manuel Bandeira? e Entre reescritas e esboços. Traduziu As flores do mal, de Baudelaire além de outros autores clássicos, como Mallarmé, Paul Valéry, Rimbaud, Roland Barthes e Francis Ponge.

DESACORDO
passos sem retorno
deflagram o desamparo da memória:
ruas em silêncio
te ignoram e se demitem
de fotografias imunes
resta
trégua irônica ante o pasado
um vago poema
desperto porém
contra as arestas do dia

Numa sala de concerto
Os sons que aqui se produzem
primeiro se põem a ocupar espaço
– sua massa expandindo-se.
A mais, elaboram-se de fato
ao ponto de, em  seu volume,
definirem esse espaço,
Não apenas o interno desse espaço,
mas o que o enquadra.
Como se não houvesse havido,
prévia, desta sala, sua construção,
o som conformaria as próprias paredes,na justa
medida de suam dele som,
necessidade. Concreto.

Desta janela, uns…
Desta janela, uns fundos de casas,
dois ou três quintais – verdes,
num desalinho de quase abandono,
silenciosa, desolada e sombriamente verdes,
salvo pelos limões, seu amarelo incontido,
pronto para romper o silêncio.
E por esta janela esses quintais
e seus limões começam a avançar
sua imagem, irrompem
sua cor (mesmo seu cheiro)
pelos sentidos adentro, invadem o quarto,
invadem, ali, o dia que ali é noite.
E o resto de vida nesta sua sombra
acha que talvez pudesse agarrar-se
a esses pontos luminosos.

Abismo
Da paisagem
não é tanto este descampado
ou esta trilha e sua curva
o que interessa aqui;
não há também que considerar
a hipótese de uma geometria
que aqui a consumisse;
aqui ela não é mais que
um método segundo o qual
do abismo de dentro se extrai
o que no horizonte se arquiteta
com resquícios de sons.

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