Blog da Poesia
Lya Luft, a senhora absoluta das palavras
Lya Luft foi escritora romancista, poeta, ensaísta e tradutora. Nasceu em Santa Cruz do Sul em 1938. Também escreveu livros infantis. Sua obra mais importante, no entanto, foi Perdas e Ganhos, um livro que reflete sobre a passagem do tempo e drama existencial humano.
Lya teve seus textos traduzidos para vários países da Europa.
É outra também de clássicos como O tempo é um rio que corre e As Parceiras.
Na poesia, seu livro de maior destaque foi O lado fatal.
Faleceu em setembro de 2021.
Sobrevida
Quando foi bom o amor,
os mortos pedem
memórias doces
que não os perturbem,
e que a gente viva
sem muito desgosto:
mais nada.
Pedem silêncio
e que os deixemos
em paz.
Os mortos
precisam de mais espaço
do que em vida:
nesse seu novo posto
não devem olhar
para trás.
(Os mortos querem licença
para morrer mais.)
Temporal
O tempo rasteja no telhado
depois de se fazerem filhos e dívidas,
e as dúvidas brotarem nas frestas
da porta.
O tempo trança bordados no rosto
e manchas na mão,
mas a gente não muda: ainda chove
no escuro e um pássaro começa a cantar,
um amigo morre antes dos quarenta anos,
e nossa mãe, com quase cem, nem está
nem se ausenta.
Como tudo o mais,
o tempo não tem explicação:
corrói e transfigura, expande
ou empobrece, conforme a escolha
de cada um.
(Eu, com medo e susto,
escolho a multiplicação.)
Dizendo adeus
Estou sempre dando adeus:
também ao desencontro e ao
desencanto.
Estou sempre me despedindo
do ponto de partida que me lança de si,
do porto de chegada que nunca é
aqui.
Estou sempre dizendo adeus:
até a Deus,
para o reencontrar em outra esquina
de adeuses.
Estarei sempre de partida,
até o momento de sermos deuses:
quando me fizeres dar adeus à solidão
e à sombra.
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Plano piloto para poesia concreta [1958]
Por Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos