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Os sapos, de Manuel Bandeira
O poema Os sapos é um clássico do escritor brasileiro Manuel Bandeira criado em 1918 e publicado em 1919 no livro Carnaval.
Os versos fazem uma sátira ao movimento Parnasiano, que precedeu o Modernismo, e foi declamado por Ronald de Carvalho durante a Semana de Arte Moderna de 1922.
Poema Os sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
Análise do poema
Bandeira consegue em Os sapos reproduzir as características essenciais defendidas pelos parnasianos. Trata-se, portanto, de um poema que carrega métrica regular e preocupação com a sonoridade, imitações que neste caso estão a serviço da rejeição à poesia parnasiana.
O poema segue um esquema de rimas ABAB, sendo destoante apenas o último terceto. Em termos de estrutura, Os sapos é construído a partir de redondilhas menores.
Os versos trabalham com a ironia e com a paródia a fim de despertar o público leitor para a necessidade de ruptura e transformação da poesia.
Os versos de Manuel Bandeira são metalinguísticos porque falam da própria poesia, ou melhor, daquilo que a poesia não deveria ser. Os sapos refletem sobre o que supostamente é a arte e o bom poema. O que o diálogo imaginário entre os sapos produz é um exercício de reflexão sobre as normas de composição dos versos.
Os sapos mencionados (o boi, o tanoeiro, a pipa) são metáforas dos diferentes tipos de poetas. O sapo-tanoeiro é um típico exemplar do poeta parnasiano, que destila as regras de composição:
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Para ele, a grande poesia é como o ofício de um joalheiro, há que se lapidar com precisão e paciência:
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
O sapo-cururu, por sua vez, é uma representação do poeta modernista que aspira por liberdade e reivindica a simplicidade e o uso de uma linguagem cotidiana. Quando entra em cena, ele apresenta-se com uma opinião divergente se comparada a todos os outros sapos.
Não se pode deixar de lembrar também a semelhança do nome escolhido para o sapo modernista com a cantiga de roda Sapo-cururu. Os últimos dois versos do poema de Bandeira recuperam os dois primeiros versos da composição popular:
Sapo-cururu
Da beira do rio
Quando o sapo canta, Ó maninha,
É que sente frio.
A mulher do sapo
Deve estar lá dentro
Fazendo rendinha, Ó maninha,
Para o casamento
Bandeira, através da paródia, critica a preocupação excessiva dos parnasianos com o aspecto formal da linguagem. Segundo o poeta e seus companheiros modernistas, esse estilo de poesia deveria ser ultrapassado.
Outra característica importante do poema é a presença de fortes traços de humor. A própria circunstância instaurada - sapos refletindo sobre os estilos de poesia - já é por si só hilariante. Não por acaso Os sapos faz parte de um conjunto de criações que os modernistas batizaram de poema-piada.
A criação de Bandeira foi tão essencial para os modernistas que Sérgio Buarque de Holanda chegou a definir Os sapos como o hino nacional do Modernismo.
Nas estrofes de Bandeira, contudo, vemos aquilo que o poema não deve ser, embora os novos rumos ainda não estejam propriamente sugeridos nos versos.
Capa da primeira edição do livro Carnaval (1919) que reúne os versos de Os sapos.
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