Blog da Poesia
Plano piloto para poesia concreta [1958]
Por Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos
Manifesto da Poesia Concreta, publicada em Noigandres: no. 4, 1958. Texto extraído do livro
Poesia concreta: produto de uma evolução crítica de formas. dando por encerrado o ciclo histórico do verso (unidade rítmico-formal), a poesia concreta começa por tomar conhecimento do espaço gráfico como agente estrutural. espaço qualificado: estrutura espaciotemporal, em vez de desenvolvimento meramente temporístico-linear. daí a importância da idéia de ideograma, desde seu sentido geral de sintaxe espacial ou visual até o sentido específico (fenollosa/pound) de método de compor baseado na justaposição direta – analógica, não lógico-discursiva – de elementos. "il faut que notre intelligence s’habitue à comprendre synthético-idéographiquement au lieu de analytico-discursivement" (apollinaire). eisenstein: ideograma e montagem.
precursores: mallarmé (un coup de dés, 1897): o primeiro salto qualitativo: "subdivisions prismatiques de l’idée"; espaço (blancs) e recursos tipográficos como elementos substantivos da composição. pound (‘): método ideogrâmico. joyce (ulysses e finnegans wake): palavra-ideograma; interpenetração orgânica de tempo e espaço. cummings: atomização de palavras, tipografia fisiognômica; valorização expressionista do espaço. apollinaire (calligrammes): como visão, mais do que como realização. futurismo, dadaísmo: contribuições para a vida do problema.
no brasil: oswald de andrade (1890-1954): "em comprimidos, minutos de poesia". joão cabral de melo neto (nascido em 1920 – o engenheiro e psicologia da composição mais antiode): linguagem direta, economia e arquitetura funcional do verso.
poesia concreta: tensão de palavras-coisas no espaço-tempo. estrutura dinâmica: multiplicidade de movimentos concomitantes. também na música – por definição, uma arte do tempo – intervém o espaço (webern e seus seguidores. boulez e stockhausen; música concreta e eletrônica); nas artes visuais – espaciais, por definição – intervém o tempo (mondrian e a série boogie-woogie; max bill; albers e a ambivalência perceptiva; arte concreta em geral).
ideograma: apelo à comunicação não-verbal. o poema concreto comunica a própria estrutura: estruturaconteúdo. o poema concreto é um objeto em e por si mesmo, não um intérprete de objetos exteriores e/ou sensações mais ou menos subjetivas. seu material: a palavra (som, forma visual, carga semântica). seu problema: um problema de funções-relações desse material. fatores de proximidade e semelhança, psicologia da gestalt. ritmo: força relacional. o poema concreto, usando o sistema fonético (dígitos) e uma sintaxe analógica, cria uma área lingüística específica – "verbivocovisual" – que participa das vantagens da comunicação não-verbal sem abdicar das virtualidades da palavra. com o poema concreto ocorre o fenômeno da metacomunicação: coincidência e simultaneidade da comunicação verbal e não-verbal, com a nota de que se trata de uma comunicação de formas, de uma estrutura-conteúdo, não da usual comunicação de mensagens.
a poesia concreta visa ao mínimo múltiplo comum da linguagem, daí sua tendência à substantivação e à verbificação: "a moeda concreta da fala" (sapir). daí suas afinidades com as chamadas "línguas isolantes" (chinês): "quanto menos gramática exterior possui a língua chinesa, tanto mais gramática interior lhe é inerente" (humboldt, via cassirer). o chinês oferece um exemplo de sintaxe puramente relacional, baseada exclusivamente na ordem das palavras (ver fenollosa, sapir e cassirer).
ao conflito de fundo-forma em busca de identificação, chamamos de isomorfismo. paralelamente ao isomorfismo fundo-forma se desenvolve o isomorfismo espaço-tempo, que gera o movimento. o isomorfismo, num primeiro momento da pragmática poética concreta, tende à fisiognomia, a um movimento imitativo do real (motion); predomina a forma orgânica e a fenomenologia da composição. num estágio mais avançado, o isomorfismo tende a resolver-se em puro movimento estrutural (movement); nessa fase, predomina a forma geométrica e a matemática da composição (racionalismo sensível).
renunciando à disputa do "absoluto", a poesia concreta permanece no campo magnético do relativo perene. cronomicrometragem do acaso. controle. cibernética. o poema como um mecanismo, regulando-se a si próprio: feedback. a comunicação mais rápida (implícito um problema de funcionalidade e de estrutura) confere ao poema um valor positivo e guia a própria confecção.
poesia concreta: uma responsabilidade integral perante a linguagem. realismo total. contra uma poesia de expressão, subjetiva e hedonística. criar problemas exatos e resolvê-los em termos de linguagem sensível. uma arte geral da palavra. o poema-produto: objeto útil.
post-scriptum 1961: "sem forma revolucionária não há arte revolucionária" (maiakóvski). Publicado originalmente em Noigandres 4, São Paulo, edição dos autores, 1958
O trecho destacado acima foi extraído da Revista Noigrandes e refere-se ao Manifesto da Poesia Concreta, publicada em 1958.
SOBRE A POESIA CONCRETA
Sobre poesia concreta é importante saber que começou a ser desenvolvida pelos poetas Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos por volta de 1952, quando lançaram a revista-livro Noigandres (antologia poética publicada em cinco números). No entanto, a poesia concreta só foi oficializada no Brasil em 1956, com a realização, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, da Exposição Nacional de Arte Concreta.
A principal bandeira estética dessa vertente da poesia brasileira é a composição do poema-objeto, em que o verso tradicional é abolido em prol de uma construção que explora os recursos sonoros, visuais, semânticos, e principalmente o espaço tipográfico e a disposição geométrica dos vocábulos na página.
Características da poesia concreta
- Valorização dos aspectos visuais do poema com o emprego de caracteres tipográficos, desenhos, formas;
- Exploração dos aspectos sonoros dos vocábulos com o uso de aliterações, assonâncias e paronomásias;
- Uso de neologismos;
- O poema concreto comunica-se por meio de sua estrutura-conteúdo;
- Ausência de eu lírico, de expressão subjetiva.
POEMA NASCEMORRE AUGUSTO DE CAMPOS
ARNALDO ANTUNES
LEMINSKI
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