Blog da Poesia
Waly Salomão
Waly Salomão nasceu em 3 de setembro de 1943 em Jequié, na Bahia. Filho de pai sírio com uma sertaneja foi ponta de lança de uma geração de artistas que, num movimento de resistência à censura, contrariavam os princípios formais da tradição e pensavam a produção literária a partir de sua articulação com as outras formas de artes (da fotografia à música).
Poeta singular, de espírito experimentalista e inteligência voraz. Concebia o ato de criar não tendo apenas o verbo por base ou referência, mas como um exercício de fusão de linguagens e expressões. Nada de limites ou definições. Ele mesmo dizia que, quando crescesse, gostaria de ser um ''poeta polifônico''.
Multifacetado e invulgar, Salomão foi uma das figuras mais fecundas e heterogêneas da vanguarda brasileira. Não é à toa que Caetano Veloso, em música dedicada a ele, diz: “tua marca sobre a terra resplandece […] e o brilho não é pequeno. Em 1997, ganhou o Prêmio Jabuti de Literatura com o livro de poesia Algaravias. Sua última publicação foi Pescados Vivos, publicado em 2004, após sua morte.
“Viajar, para que e para onde
Se a gente se torna mais infeliz
quando retorna?
Infeliz e vazio de situações e lugares
desaparecidos no ralo,
ruas e rios confundidos, muralhas, capelas,
panóplias, paisagens, quadros,
duties free e shoppings...”
Waly Salomão
ASSALTARAM A GRAMÁTICA
(Assaltaram a gramática
Assassinaram a lógica
Meteram poesia
na bagunça do dia a dia
Sequestraram a fonética
Violentaram a métrica
Meteram poesia
onde devia e não devia
Lá vem o poeta
com sua coroa de louro,
Agrião, pimentão, boldo
O poeta é a pimenta
do planeta!
FÁBRICA DO POEMA
In memória de Donna Lina Bo Bardi
sonho o poema de arquitetura ideal
cuja própria nata de cimento encaixa palavra por
palavra,
tornei-me perito em extrair faíscas das britas
e leite das pedras.
acordo.
e o poema todo se esfarrapa, fiapo a fiapo.
acordo.
o prédio, pedra e cal, esvoaça
como um leve papel solto à mercê do vento
e evola-se, cinza de um corpo esvaído
de qualquer sentido.
acordo,
e o poema-miragem se desfaz
desconstruído como se nunca houvera sido.
acordo!
os olhos chumbados
pelo mingau de almas e os ouvidos moucos,
assim é que saio dos sucessivos sonos:
vão-se os anéis de fumo de ópio
e ficam-se os dedos estarrecidos.
sinédoques, catacreses,
metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
sumidos no sorvedouro.
não deve adiantar grande coisa
permanecer à espreita no topo fantasma
da torre de vigia.
nem a simulação de se afunda no sono.
nem dormir deveras.
pois a questão-chave é
sob que máscara retornará o recalcado?
(mas eu figuro meu vulto
caminhando até a escrivaninha
e abrindo o caderno de rascunho
onde já se encontra escrito
que a palavra “recalcado” é uma expressão
por demais definia, de sintomatologia cerrada:
assim numa operação de supressão mágica
vou rasurá-la daqui do poema.)
pois a questão-chave é:
sob que máscara retornará?
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