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Solano Trindade

08/09/2021 13:30 - por Tiago Vargas

Em 1908, nascia em Recife, Pernambuco, Solano Trindade. Teatrólogo, pintor, folclorista e poeta. Filho de um sapateiro e de uma quituteira. Seu pai, apesar de católico, praticava o candomblé. Estando muito próximo das tradições negras, desde cedo, estabeleceu íntimo contato com a cultura popular e folclórica, lendo textos de cordel e praticando a dança pastoril e o bumba meu boi. Acreditava na arte como instrumento libertador. No início de sua vida artística estudou um ano no Liceu das Artes e Ofícios, mas abandonou um estudo mais aprofundado em artes plásticas para de dedicar especialmente a poesia. Tornou-se um dos mais expressivos símbolos nacionais de resistência ao racismo e à opressão social. Poema de uma vida simples é sua obra mais relevante. Nesta publicação se inclui “Trem sujo da Leopoldina’’, poema repleto de figuras de linguagens, musicado pelo grupo Secos e Molhados, censurado pela ditadura militar e posteriormente regravado na carreira solo de Ney Matogrosso. Atemporal. Solano Trindade faleceu no dia 19 de fevereiro de 1974, aos 66 anos de idade, no Rio de Janeiro. 

F. da P. 
Amor
um dia farei um poema
como tu queres
dicionário ao lado
um livro de vocabulário
um tratado de métrica
um tratado de rimas
terei todo o cuidado
com os meus versos 
Não falarei de negros
de revolução
de nada que fale do povo
Serei totalmente apolítico no versejar...
Falarei contritamente de Deus
do presidente da República
como poderes absolutos do homem
Nesse dia amor ... Serei um grande F. da P.
Solano Trindade

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TEM GENTE COM FOME
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Piiiiii
Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu
Solano Trindade

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Negritude e Consciência
Samba e batuque no corpo suado
Capoeira e futebol nos dias vazios,
Negro leva a marca do tempo calado
No peso do ombro e trabalho infantil,
Uma legião de homens e mulheres
Da sua terra trazidos, mercadoria comum,
Mas que deram a nossa pátria o som,
A cor, o sabor, de todos e de um
Numa mistura de nuance e tom...
E o negro se fez mais forte,
Guerreiro desta nação Brasileira
E bradou seu grito de vida e morte
Numa roda de samba ou capoeira,
Fazendo seu caminho e sua sina,
Criando quilombos, comendo poeira,
Mas fazendo história que fascina
No passado e no presente
Pois mostrou que sua gente
Nasceu para ser livre e feliz,
Neste e em qualquer país...
Agora é moderno ser consciente, 
A negritude existe dentro da gente
Que nasceu neste paraíso,
Independente da cor e do sorriso,
Tudo o que precisamos é respeito
O mais conquistamos na raça e no peito,
Pois somos negros, com muito orgulho,
Plantando flores e derrubando muros!
Mara Garin 

Impossível
Por certo
Possível
Por incerto
Ricardo Hoffmann,

Negra...
Que dormia tranquila um sono descuidado,
Passiva, indiferente, enfarada talvez,
Sob o ministério azul do céu todo estrelado...
Negra, imensa, disforme, enegrecendo a noite...
... Brutal e impura
Branca de espuma, ébrio de amor,
Tenta despir o seio duro
E virginal da terra em flor.
Ênio Santos

Negrófila
Amo preto.
Pão, café e feição.
Vestido, bolsa e sapato.
Luvas e guarda chuva.
Capas de livros e rosas.
Canetas e laços nos cabelos.
O pretume da noite
A rapa do arroz queimado,
O escurecível dos poemas,
O beijo daquele negro safado.
... E a sombra (da caneta)
EleanaRoloff

Seta poética
Para alguns
o poema deve ser construído
com a rigorosidade de um teorema
para outros
o bom poeta cria um estratagema
e arteiro usa o poema
(impresso em papel de seda)
como uma seta
para expressar sentimentos
e diminuir esse tormento
meio azedo, meio cinzento
e terrivelmente profano
de querer ser anjo ou arcanjo
mas ser simplesmente humano.
Isabel Furini

A menina
Estava na rua e vi uma menininha.
Morena e  baixa, chama-se Aninha.
Ela ama passear com seu cachorro.
Cai no bueiro e pede socorro.
Socorro! Socorro! Quero sair do bueiro!
Preciso achar o pipoqueiro!
Quando sai, quer comer pipoca.
No pacote encontra uma minhoca.
Coitada da Aninha! Vive atrapalhada.
Chega em casa e vai dormir,
Dorme com os anjos e no sonho aprende a dirigir.
Mariana Stahl Fenner

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