Blog Da Poesia

O erotismo gauche de Drummond

04/01/2023 09:24 - por Tiago Vargas

“Fui mais poeta pelo desejo e pelas necessidades de exprimir sensações e emoções que me perturbavam o espírito e me causavam angustia, fiz da vida minha vida um sofá de analista, em todos os sentidos”. 

Essa foi à definição própria do fazer poético de Carlos Drummond de Andrade, ícone da literatura, um dos nossos maiores e mais relevantes escritores. 

Em 1992, foi publicado, “O amor natural”, livro de uma peculiaridade íntima sui generis, obra com poemas líricos de tom erótico, inquietante e despojado que exaltava com propriedade o abraço sinuoso dos amantes, escrevendo sem pudores sobre partes do corpo humano (clitóris, bunda, boca, ventre…) integrando corpo e alma, fantasia e pudor, enaltecendo o lado físico do amor numa linguagem poética, digna e original (a sensualidade transcendendo a realidade).

Em O amor natural, o erotismo gauche de Drummond expressa sem ser vulgar, a vitória e supremacia de Eros. Para ler e refletir, sem acanhamento nem recato.

Sob o chuveiro amar
Sob o chuveiro amar, sabão e beijos,
ou na banheira amar, de água vestidos,
amor escorregante, foge, prende-se,
torna a fugir, água nos olhos bocas,
dança, navegação, mergulho, chuva,
essa espuma nos ventres, a brancura
triangular do sexo - é água, esperma,
é amor se esvaindo, ou nos tornamos fonte?
Carlos Drummond de Andrade

A LÍNGUA LAMBE 
A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos. 
E lambe,lambilonga, lambilenta,
alicorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos, 
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.
Carlos Drummond de Andrade

 

Congresso Internacional do Medo
Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

Verbo Ser
Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer.

Poesia
Gastei uma hora pensando em um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.

Faça seu login para comentar!