Blog Da Poesia

Pneumotórax, de Manuel Bandeira

03/04/2024 09:39 - por Tiago Vargas

Pneumotórax é um poema escrito pelo poeta brasileiro Manuel Bandeira e publicado em seu quarto livro, Libertinagem, de 1930.

Neste poema é notada algumas das características mais marcantes da poesia de Bandeira, a sutil e comovente capacidade inventiva e reflexiva a partir de versos esteticamente simples.

Pneumotórax insere bom humor e ironia na narração de um acontecimento triste, e é um poema muito representativo, tanto para o autor quanto para escola modernista.

Quanto a análise do poema podemos destacar que se trata de um poema de verso livre, composto de 4 estrofes irregulares e por um total de 11 linhas poéticas.

Trata-se de um texto lírico que não utiliza de metrificação nem rima.

Sua apresentação é simples e narra um diálogo entre um médico e o seu paciente.

A linguagem empregada é coloquial, o que sugere uma leitura leve e despretensiosa.

Pneumotórax é construído como se fosse prosa, no enredo, dramatiza a situação de um tuberculoso. Sua poesia está contida nos sentimentos que estão implícitos na narrativa.

Cabe ressaltar que, no início do século XX, a tuberculose era uma doença mortal e crudelíssima, que alterava por completo a vida daqueles que a contraíam.

Naquele tempo, era ela chamada pelos jornais de “peste branca”, e o tuberculoso geralmente abandonava sua rotina para instalar-se em sanatórios localizados em regiões montanhosas, cujo clima e atmosfera rarefeita, aliados ao repouso e à boa alimentação, eram as medidas mais recomendadas pelos médicos como tratamento à doença.

Manuel Bandeira, como muitos outros artistas, sofreram com a tuberculose, e é com este pano de fundo que devemos entender e interpretar Pneumotórax.

Assim começa o poema:
Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

O primeiro e o terceiro verso da estrofe apresentam sintomas de uma doença não anunciada.

A repetição de “tosse, tosse, tosse” sugere a insistência da doença que, embora não declarada, seria um tanto óbvia para alguém inserido no contexto evocado pelo texto.

“A vida inteira que podia ter sido e que não foi”: este simples verso, que está sem dúvida entre os mais expressivos de toda a literatura brasileira, dita o estado de espírito em que se encontra a personagem que sofre os sintomas descritos, conferindo uma dramaticidade incomum ao poema.

“A vida inteira” sugere a persistência da doença por longos anos; “que podia ter sido e que não foi” evoca quanto a doença prejudicou a vida da personagem, quanto teve ela de abrir mão por causa de seu estado de saúde.

Tais versos sugerem, ainda, os sonhos não concretizados em razão da doença, as possibilidades sepultadas, e toda uma infinidade de conotações comoventes.

Mandou chamar o médico:

— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.

Esta situação de representação banal do diálogo entre o médico e o paciente sintetiza um exame clínico, talvez replique os muitos pelos quais o próprio Manuel Bandeira passou, e evidencia, também, algo de cômico e absurdo.

O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.

— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não.
— A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Esta estrofe final, que encerra Pneumotórax, é um tanto óbvia: com a mesma objetividade dos versos anteriores, o médico apresenta o diagnóstico do exame, informando o estado dos pulmões do paciente.

Esta pergunta sintetiza a ideia do poema, se é possível “tentar o pneumotórax”, isto é, se há alguma cura possível para seu estado, e a resposta, repleta de ironia e sarcasmo, um seco e definitivo “Não’’.

Por fim, o diálogo é encerrado com a afirmação de que “a única coisa a fazer é tocar um tango argentino”, que poderia ser traduzida como “não há nada a se fazer” ou, com mais ironia que lhe é peculiar, “aproveite a sua doença”.

Naturalmente, médico nenhum faria uma piada em situação de tal gravidade, mas uma mensagem como está, na maneira em que está inserida, parece ser uma manifestação de leveza do próprio Manuel Bandeira em face da sua doença.

Pneumotórax, portanto, é um poema que mescla  humor e drama com uma sutileza só possível em um poeta habilidosíssimo e extremamente perspicaz como Manuel Bandeira.

Manuel Bandeira, tuberculose e Pneumotórax

Para entender a pungência de Pneumotórax, é preciso dizer algumas palavras sobre a relação de Manuel Bandeira com a tuberculose.

O poeta foi diagnosticado com a doença aos dezoito anos. Na época, era a tuberculose uma doença para a qual não se falava em cura.

Assim, convencido de que não viveria mais do que quinze anos a partir do diagnóstico, o poeta abandonou o sonho de ser arquiteto.

Foram muitas noites insones, acompanhadas de uma tosse insistente, que fizeram o poeta mudar-se diversas vezes em busca de melhores ares.

Foram muitas cidades e países.

Aos cinquenta e seis anos, veio Pneumotórax: cinquenta e seis anos, portanto, muitos mais do que o poeta supunha que viveria.

Desta forma, não há como não interpretar o bom humor de Pneumotórax como um sorriso do poeta perante a doença que tanto o afligiu.

E o acompanhou, por quase toda sua vida.

PNEUMOTÓRAX
Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.

— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Faça seu login para comentar!