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Conceição Lima

07/02/2024 09:08 - por Tiago Vargas

Maria da Conceição de Deus Lima é uma poeta são-tomense. Uma das mais importantes de seu país.

Formada em jornalismo é autora dos livros O útero da casaA dolorosa raiz do Micondó,  O país de Akendenguê  e Quando florirem salambás no tecto do Pico.

Sua obra tem como uma das temáticas principais o resgate do passado tanto ao revisitar suas origens quanto ao reconstruir poeticamente a história de um país marcado pela ação colonialista e pela escravidão.

Poética lírica e sensível. Histórica. Inteligente e pungente.

Atemporal.


 

O guardião
Sobre todas as coisas, o guardião
venera o eco da própria voz.
No anel de bondade em redor do trono
decretou a obediência do vento
e a vassalagem dos frutos.
 

A herança
Sei que buscas ainda
o secreto fulgor dos dias
anunciados.
Nada do que te recusam
devora em ti
a memória dos passos calcinados.
É tua casa este exílio
este assombro esta ira.
Tuas as horas dissipadas
o hostil presságio
a herança saqueada.
Quase nada.
Mas quando direito e lúgubre
marchas ao longo da Baía
um clamor antigo
um rumor de promessa
atormenta a Cidade.
A mesma praia te aguarda
com seu ventre de fruta e de carícia
seu silêncio de espanto e de carência.
Começarás de novo, insone
com mãos de húmus e basalto
como quem reescreve uma longa profecia
 

Digo em Surdina o Teu Nome

Digo em surdina o teu nome e solto um
pássaro
Escondida na minha voz, ancorada na luz
da insónia.
Afugento agoiros para esconjurar a erosão
da profecia.

Os anjos desertaram ou fui eu que roubei
as suas asas?
 

Ignomínia

Enquanto o fio da catana
avançava sobre o medo encurralado
o mundo espreguiçava uma pálpebra –
hesitava.

E quando o olho da câmara
desventrou enfim o silêncio
um metódico vendaval avermelhava
para sempre as águas e os campos.

As consciências
que no universo o caos ordena
instauraram a urgência dos relatórios
e a estatística dos esqueletos.

Ruanda ainda conta os crânios dos seus filhos.

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