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Poema tirado de uma notícia de jornal – Manuel Bandeira

20/03/2024 10:25 - por Tiago Vargas

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no Morro da Babilônia num barracão sem número.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

Breve, conciso, cômico, aparentemente ridículo, o poema começa com elementos positivos, que nos despertam alguma vontade de rir e, após uns poucos versos, transforma-se em uma tragédia sem remissão – tudo isso com apenas sete versos.

O poema começa em algo simpático, engraçado, cômico e com tom despretensioso, como o nome “João Gostoso’’. 

No primeiro verso, há também a palavra “livre’’, outra inspiração inconsciente com caráter de leveza.

Na sequência deparamos com a palavra “babilônia’’, termologia associada às narrativas bíblicas e que ser refere a decadência, haja vista a queda de Babilônia.

Nesta parte temos também referência analógica a palavra “babel’’ , que em português, significa confusão. 

Nota-se também um endereço sem registro, sem identidade. 

O segundo verso, abruptamente, nos leva para a noite. O nome do bar é uma data, o que reforça a sugestão de um fato, uma notícia.

Os versos seguintes apresentam-se na vertical. Um em cima do outro, como uma seta indicativa, síntese de uma gradação nas ações: bebeu... cantou... dançou.

Um personagem em franca decadência. 

Versos que culminam em sua morte.

Um poema narrativo, como uma história, com começo, meio e fim, usando sequência de tempo e de espaço, começa no alto de um morro, vai para um bar, síntese da linha do horizonte e termina no fundo de uma lagoa, dimensão inferior de lugar. 

O poema ainda apresenta outros indícios de ironia e de contrastes; o personagem é um feirante, que reside em um bairro periférico do Rio de Janeiro, mas que morre na lagoa Rodrigo de Freitas, uma das áreas mais nobre da cidade maravilhosa. 

Carlos Drummond de Andrade considerava Manuel Bandeira o poeta mais completo de nossa literatura.

Segundo Drummond, Manuel Bandeira trabalhou e sua produção escrita com modelos parnasianos, simbolistas, classicistas, modernistas e até concretista. 

Sua obra foi variada e vasta, com destaque para esta obra-prima genial, um brinde à semântica e a semiótica. 

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