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Roberto Piva

15/03/2023 09:15 - por Tiago Vargas

Roberto Piva nasceu em São Paulo, em 1937. Trata-se de um poeta pouco lido e desconhecido do grande público. Adepto do surrealismo e influenciado pela literatura beat-americana figura ao lado de Cláudio Willers e Sérgio de Lima como um dos maiores e melhores representantes do gênero no país. A rítmica entrecortada, o desmantelamento da versificação métrica, a batida imprevista, o múltiplo diálogo e a respiração irregular são alguns traços característicos e marcantes na obra de Piva, paramentada também pela temática transgressora e pelo erotismo excedido. Classificado como poeta maldito foi influenciado por autores da grandeza de Rimbaud, Marquês de Sade, Murilo Mendes e Jorge de Lima, a quem dedicou o poema "Jorge Lima, panfletário do caos''. No espelho da sua escrita experimentalista a imagem que reflete nem sempre é a aceitável. Sua obra inquietante e perturbadora é uma das mais intensas da literatura brasileira contemporânea.

"minha dor é um anjo ferido
     de morte
você é um pequeno deus verde
     & rigoroso
horários de morte cidades cemitérios
     a morte é a ordem do dia
a noite vem raptar o que
     sobra de um soluço". 
 

PARANÓIA EM ASTRAKAN
 
Eu vi uma linda cidade cujo nome esqueci
         onde anjos surdos percorrem as madrugas e tingindo seus olhos com
                  lágrimas invulneráveis
         onde crianças católicas oferecem limões aos pequenos paquidermes
                  que saem escondidos das tocas
         onde adolescentes maravilhosos fecham seus cérebros para os telhados
                  estéreis e incendeiam internatos
          onde manifestos niilistas distribuindo pensamentos furiosos puxam
                  a descarga sobre o mundo
          onde um anjo de fogo ilumina os cemitérios em festa e a noite caminha
                  no seu hálito
          onde o sono de verão me tomou por louco e decapitei o Outono de sua
                  última janela
          onde o nosso desprezo fez nascer uma lua inesperada no horizonte
                  branco
          onde um espaço de mãos vermelhas ilumina aquela fotografia de peixe
                  escurecendo a página
          onde borboletas de zinco devoram as góticas hemorroidas
                  das beatas
          onde as cartas reclamam drinks de emergência para lindos tornozelos
                  arranhados
          onde os mortos se fixam na noite e uivam por um punhado de fracas
                  penas
          onde a cabeça é uma bola digerindo os aquários desordenados da
                  imaginação.

Na penumbra,
entre um copo e outro,
entre vencidos e excluídos
esses babacas com seus títulos,
suas poses e posses.
Eu penso em Piva, no bigode,
Na ironia de Piva.
Teton Beat

 

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