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A poesia antilírica de Augusto dos Anjos

08/11/2023 10:46 - por Tiago Vargas

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu na Paraíba em 1884. Trata-se do mais sincrético e original dos poetas brasileiros.  Sua obra merece deferência, pela relevância, densidade dramática, pela riqueza linguística, pela técnica e pela forma. Poesia antilírica. Isenta de sentimentalismos.

Suas ideias/convicções assenhoravam afinidades aos conceitos de Shopenhauer (Para Augusto do Anjos não haveria Deus, nem esperança, apenas a supremacia da matéria, onde tudo é arrastado para a decomposição, para o fim, para o vazio ou para o nada) empregando em seus escritos uma linguagem científica-naturalista. 

A temática da incerteza, o pessimismo e os distúrbios pessoais são recorrentes na obra do autor de “Eu’’, seu único livro.  A agressividade no vocabulário e a hesitação/perplexidade quanto a existência do homem também são peculiaridades no texto do autor que transitava entre os parnasianos, em virtude de sua preferência por sonetos, pelo simbolistas por sua preocupação com a psique e principalmente, pré-modernista por sua autonomia e amplitude. 

De linguagem e temática diferenciada. Contraditório, visceral e popular.

Poeta singular, importante e obrigatório.

“Versos íntimos”:
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Augusto dos Anjos
Obra: Eu (1912)

“A Esperança não murcha, ela não cansa, 
Também como ela não sucumbe a Crença, 
Vão-se sonhos nas asas da Descrença, 
Voltam sonhos nas asas da Esperança’’.
Augusto dos Anjos

Vozes da Morte
Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,
Tamarindo de minha desventura,
Tu, com o envelhecimento da nervura,
Eu, com o envelhecimento dos tecidos!
Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!
E a podridão, meu velho! E essa futura
Ultrafatalidade de ossatura,
A que nos acharemos reduzidos!
Não morrerão, porém, tuas sementes!
E assim, para o Futuro, em diferentes
Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,
Na multiplicidade dos teus ramos,
Pelo muito que em vida nós amamos,
Depois da morte inda teremos filhos!

Budismo moderno
Tome, Dr., esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!
Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!
Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;
Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!

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