Blog da Poesia
Augusto dos Anjos, o poeta da morte em 4 poesias
Augusto dos Anjos foi um escritor brasileiro, nascido na Paraíba, que viveu no período do pré-modernismo. Seus versos, lúgubres e profundos, provocavam algum desconforto e estranhamento entre os contemporâneos.
Difícil de catalogar, sua lírica tem sido associada a diferentes estéticas que inspiraram o poeta, como o Parnasianismo, o Simbolismo e o Expressionismo, entre outros.
Seu único livro publicado em vida, Eu, foi lançado em 1912. Mais tarde, surgiu Eu e Outras Poesias, uma antologia póstuma que inclui mais composições assinadas pelo autor.
Misturando poesia com termos científicos e filosóficos, Augusto dos Anjos foi considerado pedante e pouco acessível pelos seus pares.
Hoje sabemos que suas reflexões eram frutos de um tempo em que os avanços da ciência e da medicina começavam a moldar os quadros mentais.
O blog da poesia desta semana traz 4 poemas do autor e uma breve e sucinta análise sobre cada um deles, incluindo os clássicos Psicologia de um vencido e Versos Íntimos.
Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Um dos poemas mais célebres do autor, "Psicologia de um vencido" combina com maestria a linguagem erudita e coloquial. Retomando as referências científicas, os versos são uma tentativa do eu-lírico explicar aquilo que passa pela sua cabeça.
São nítidos os seus sentimentos de pessimismo e desconforto perante a realidade e a finitude da vida. Partindo de uma visão concreta e positivista do mundo, o sujeito observa que a morte é o destino de todos os seres.
Embora seja vista como algo natural, um retorno à matéria, a morte o assusta, provocando medo, desespero e até uma sensação de absurdo perante a vida que tem pela frente. Assim, assumindo a derrota iminente, ele dá voz às próprias angústias
Solitário
Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!
Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta...
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!
Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele, —
Velho caixão a carregar destroços —
Levando apenas na tumbal carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!
Aqui, o sujeito se compara a um fantasma, como se já estivesse morto em vida. No meio do deserto dos seus dias, procurou o refúgio da pessoa amada, mas acabou sendo rejeitado. Daí em diante, sua tristeza o transformou em "carcaça", "ossos".
Perante toda a solidão e o desconsolo, o amor surge como a última redenção que lhe é negada. Assim, o eu-lírico perde os resquícios de esperança que tinha e se rende totalmente à espera do juízo final.
Versos íntimos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Aqui, o próprio título do poema sugere que estes versos exprimem aquilo que há de mais íntimo, mais secreto, na alma do sujeito.
Falando acerca da sua solidão, verificamos que estamos diante de alguém que perdeu a esperança.
O mundo é retratado como "lama", um lugar sujo onde todos se maltratam: são feras e nos forçam a agir da mesma maneira, como modo de sobrevivência e proteção. Por isso, o eu-lírico rejeita a ideia de se aproximar do outro.
Estas estrofes carregam um conceito extremamente pessimista: aquele que nos ama hoje poderá ser quem nos machuca ou atraiçoa amanhã. Essa angústia resulta num isolamento total que se traduz na impossibilidade de confiar, mesmo naqueles que demonstram preocupação e empatia por ele.
O martírio do artista
Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!
Tarda-lhe a Idéia! A Inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!
Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...
É como o paralítico que, à míngua
Da própria voz e na que ardente o lavra
Febre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem à boca uma palavra
Este é um metapoema, ou seja, uma composição em verso que reflete acerca do próprio ato da escrita. Para o sujeito, escrever é algo que o desgasta e desaponta.
Por outro lado, parece ser a única forma de expressar aquilo que sente e que o consome por dentro.
Usando elementos biológicos (órbitas, células), exprime a sua frustração e incapacidade até de chorar ou de se mover.
O ato de escrever poemas, que chama de "arte ingrata", é absolutamente necessário para ele.
Precisa transformar o abstrato em algo concreto, angústias imateriais em discurso. Assim, fica desesperado quando lhe falta a inspiração, como se a poesia fosse a única forma de transcender a morte.
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