Blog dos Livros
Da hipocrisia à ascensão social
A estreia literária de Maurício Mendes, médico cearense, confronta o leitor com as tensões emocionais e sociais de um protagonista pardo que ascende socialmente, mas carrega feridas que não se apagam com títulos ou prestígio. Em “O homem não foi feito para ser feliz” (Editora Mondru, 184 páginas), o autor narra, em primeira pessoa, a jornada de Germano, da formação em Medicina ao exercício da profissão, passando por amores fracassados, relações mal resolvidas e um profundo sentimento de inadequação.
O autor lida na obra com ascensão social em meio à hipocrisia, ao racismo e a falência dos afetos, questionando a masculinidade, a mercantilização da saúde e o mito da felicidade. Por meio de uma estrutura fragmentada e não linear, o romance se desenrola entre o passado e o presente do personagem Germano, através de depoimentos, diálogos e metáforas.
Com olhar crítico sobre o meio médico e o comportamento masculino, Maurício destaca temas de sua trajetória profissional que pretende discutir mais amplamente. Entre eles, a inadequação e a solidão do negro escolarizado que ascende socialmente; a perplexidade do macho contemporâneo na sua jornada de desconstrução frente ao novo mundo de protagonismo feminino; a desumanização cada vez maior dos serviços de saúde; e o progressivo deslocamento da classe médica para a direita do espectro político.
Nascido em Fortaleza, Maurício Mendes viveu parte da infância no interior do Ceará e do Maranhão, e morou dos 10 aos 23 anos em São Luís (MA). Depois de um período em Belo Horizonte, voltou a viver em Fortaleza, onde está até hoje. É formado em Medicina pela UFMA, voltado à Medicina Nuclear, com especialização pela Universidade de Zurique.
Com forte repertório literário, fruto de anos como leitor e divulgador cultural, Maurício também lidera um clube presencial de leitura e mantém uma página no Instagram para divulgação de novos talentos.
Trecho:
“Para quem não é branco, não há alternativa, quem se importa com o avesso da pele? Com o que está além da superfície? O importante é a casca, o mundo das aparências, o acúmulo de patrimônio até o ponto da ecdise, adornando o corpo com notas de dinheiro para se camuflar dos cães farejadores, vigilantes da mobilidade social. É assim, como um espantalho, que um negro pode ser libertar. E talvez eu tenha escapado dessa maneira, despercebido entre meus amigos brancos. Fugindo da angústia que me perseguia desde a morte de Josiane, que me respeitava, e, depois de um tempo, deixei de notá-la, como um sotaque peculiar que pouco a pouco nos acostumamos a ouvir e, de repente, nem mais percebemos. Comecei a questionar como essas pessoas, pessoas brancas, tinham perdido o sotaque, ou se eu que havia adotado o delas. Eu não reconhecia mais minha própria voz.”
(Página 34)
MILTON HATOUM ACADÊMICO
No último dia 14, o escritor amazonense Milton Hatoum foi eleito mais novo imortal da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira número seis, vaga em razão do falecimento do jornalista Cícero Sandroni. Milton escreveu nove livros de ficção, além de coletâneas de contos e crônicas, tendo sido vencedor do Prêmio Jabuti. Ao todo, tem mais de 500 mil exemplares vendidos em 17 países.
PRÊMIO ECOS DE LITERATURA
Até o dia 31 de janeiro de 2026 estão abertas as inscrições para o Prêmio Ecos da Literatura, que chega a sua sétima edição anunciando cinco novas categorias, além das três que existem desde a sua criação (Melhor Capa, Melhor Título e Melhor Enredo), em 2019. Já são 30 categorias e para concorrer é necessário ser brasileiro, com mais de 16 anos e ter publicado publicado livro físico ou digital neste ano de 2025.
Leituras:
“Se lêssemos mais seríamos um país de gente mais sensível, de visão mais ampla, capaz de se entender melhor.”
-João Ubaldo Ribeiro (23 de janeiro de 1941/18 de julho de 2014), escritor brasileiro reconhecido internacionalmente, com obras adaptadas para a televisão e cinema, tendo sido o vencedor do Prêmio Camões de 2008.
Destaques:
MANUAL DA MULHER MODERNA
Autora: Bruna Ramos da Fonte
Em um mundo onde as mulheres ainda enfrentam diariamente os resquícios do machismo estrutural, este livro surge como um convite à reflexão e à transformação. A obra aborda questões urgentes como relacionamentos, sexualidade, maternidade, abusos e sororidade, sempre com uma linguagem direta e acolhedora. A obra se divide em três eixos principais: análises socioculturais sobre os papéis impostos às mulheres, relatos autobiográficos que ilustram situações cotidianas de machismo e exercícios de escrita terapêutica para desenvolvimento pessoal. Nascida em São Bernardo do Campo (SP), em 1991, Bruna é jornalista, biógrafa, psicanalista, sexóloga, palestrante, pesquisadora, professora universitária e autora de diversos títulos, incluindo as biografias de Sidney Magal e Roberto Menescal.
Editora Vida e Consciência. 161 páginas.
CARL & CISS –CRÔNICAS DA COLÔNIA ALEMÃ
Autor: Benno Bernardo Kist
Este livro presta homenagem aos 170 anos do início da colonização alemã em Santa Cruz do Sul, transcorridos em 2019. O jornalista e escritor Benno Kist conta passagens de sua história familiar, com enfoque leve, pitoresco e muitas vezes hilário. Conforme o também escritor e jornalista Romar Behling, que faz a apresentação, “Benno brinda os leitores do Rio Grande do Sul com suas crônicas-contos-apontamentos-memórias de um descendente de germânicos na região de Santa Cruz do Sul e “Carl & Ciss” veio para encantar, emocionar, esclarecer, instruir, divertir e homenagear.” O autor atua no jornalismo desde 1974, sempre no jornal Gazeta do Sul, de Santa Cruz, e tem vários livros publicados, voltados à imigração alemã.
Editora Gazeta. 115 páginas.
(As obras mencionadas no Blog dos Livros podem ser encontradas na Revistaria e Livraria Nascente, localizada na Rua Saldanha Marinho, 1423, Cachoeira do Sul)
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