Blog dos Livros
Experiências extremas
O roteirista, jornalista e mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada Antônio Arruda está estreando na literatura com o livro “O corte que desafia a lâmina” (Editora Cachalote, 131 páginas). A obra, híbrida entre ficção e autobiografia, estrutura-se como um inventário poético e visceral de experiências extremas, oscilando entre o íntimo e o simbólico, o real e o alegórico, o profano e o sagrado. Os textos mesclam corpo, silêncio, rito e transformação.
O ponto de partida do livro é a morte do pai do escritor, vítima de um câncer que extirpou parte de seus órgãos, deixando-o sem voz. E é justamente da ausência da voz do pai que nasce a voz poética do autor.
Os textos nasceram a partir da oficina literária da poeta Isadora Krieger, onde as criações eram lidas e comentadas de forma coletiva. O livro traz uma linguagem sensível, em que ritmo e pausas potencializam a densidade emocional das palavras. Logo no capítulo de abertura, um homem precisa retirar uma parte doente do próprio corpo para tentar sobreviver. Segundo define o próprio autor na apresentação, é um conto de extrema fisicalidade. Cada vírgula parece cortar, ou curar, junto ao leitor. Os capítulos seguintes, apesar de autônomos, mantêm uma relação estruturada em ambiguidades e ambivalências.
A obra de Antônio está profundamente ligada à sua vivência pessoal, marcada por experiências de violência que ele transforma em linguagem e enfrentamento. Temas como morte, sexualidade e homoerotismo atravessam sua escrita, revelando um conflito entre desejo e repressão. Além disso, sua ligação intensa com a umbanda e religiões de matriz africana, vivenciada desde a infância, também permeia seus textos. Uma das passagens mais emblemáticas do livro ilustra esta abordagem: um homem carrega a carcaça de uma tartaruga devorada por urubus até o mar –e afunda com ela, em um gesto que beira o absurdo mas que simboliza com força a tensão entre a morte e renascimento.
Natural de Guarulhos (SP), nascido em 1977, Antônio tem uma trajetória marcada pela multiplicidade, tendo passado pelos cursos de Música e Letras após se formar em Jornalismo. No audiovisual construiu uma carreira sólida, sendo roteirista de programas premiados da TV Cultura e, na Netflix, fez parte da equipe de roteiristas das duas temporadas da série “Cidade Invisível.”
Como jornalista, atuou na Folha de São Paulo, especialmente no caderno Equilíbrio, com reportagens no Brasil e no exterior. Em países como Alemanha, França, Holanda e República Tcheca, investigou o papel cultural dos mercados públicos. No campo da educação, lecionou literatura e redação para o ensino médio e cursinhos pré-vestibulares, além de disciplinas como Semiótica e Linguagem no ensino superior.
Trecho:
“Caminhava através da clareira da mata em direção à praia. Descalça. Os pés sentiam as deformidades do solo e as suas próprias. O solo sentia as deformidades dos pés e a sua própria. Ela chão, ele mulher. As terras conviviam em cumplicidade de acorde e escultura. Terras-pés, terras-ela, ela-solos, era noite –comiam os restos do dia, os cabelos dela pretos comiam a noite, restos de dia morno, o vento criava movências sutis na pele de maresia, cada célula-terra, cada célula-mulher atritavam-se delicadamente num mesmo universo. Mínimo e total. Caminhava alicerçando enorme incerteza: as mãos sobre o ventre.”
(página 104)
MARTHA MEDEIROS I
Aos 63 anos, completando uma trajetória de 40 anos de literatura, a escritora gaúcha Martha Medeiros foi indicada como patrona da 71ª. Feira do Livro de Porto Alegre. O anúncio foi feito na última semana pela Câmara Rio-Grandense do Livro, organizadora do evento que ocorre de 31 de outubro a 16 de novembro, na Praça da Alfândega.
MARTHA MEDEIROS II
Mais de 30 livros lançados, entre poesia, crônica e ficção, com publicações de cerca de dois mil textos nos jornais O Globo e Zero Hora, Martha já vendeu mais de um milhão de exemplares, com uma carreira sólida e qualificada. Nascida em Porto Alegre, a escritora sucede o alegretense Sérgio Faraco, patrono da feira em 2024.
Leituras:
“Quando, depois de anos e anos de procura, encontra-se um livro raro, o coração bate mais forte. Sente-se uma emoção grande, mas não se pode deixar que ela transpareça diante do livreiro.”
-José Mindlin (8 de setembro de 1914/28 de fevereiro de 2010), bibliófilo, empresário e advogado brasileiro, integrante da Academia Brasileira de Letras, conhecido por ter formado a maior e mais importante biblioteca privada do país, com 45 mil volumes, centenas deles raros).
Destaques:
A PROSA E O VERSO
Autores: Suzana Weirich e Gustavo Rodrigues Molinelli
Livro escrito por dois poetas nascidos em Cachoeira do Sul. Suzana Weirich, nascida em 1977, é funcionária pública municipal e graduada em Geografia pela Unipampa. Com participação em diversas antologias e coletâneas, já publicou “Ecoa, África.” Gustavo Molinelli, nascido em 2009, integrante do Clube Literário de Cachoeira do Sul, cursa atualmente o primeiro ano do ensino médio com vários trabalhos publicados na poesia.
Editora Delicatta. 60 páginas.
PETER & LIS –Quando era proibido falar a própria língua
Autor: Benno Bernardo Kist
Em homenagem aos 200 anos de imigração alemã no Brasil e aos 175 anos de colonização germânica em Santa Cruz do Sul, transcorridos em 2024, o jornalista e escritor Benno Kist conta passagens de sua história familiar. Ele faz uma abordagem das vivências dos colonizadores alemães após a imigração, progressos alcançados e dificuldades enfrentadas, a exemplo da proibição de seu idioma nos períodos de guerras e na campanha de nacionalização. Formado em Direito, Benno teve várias funções públicas e atua no jornalismo desde 1974, sempre no jornal Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul.
Editora Gazeta. 110 páginas.
(As obras mencionadas no Blog dos Livros podem ser encontradas na Revistaria e Livraria Nascente, localizada na Rua Saldanha Marinho, 1423, Cachoeira do Sul)
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