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Júlio Pomar

24/01/2024 09:25 - por Tiago Vargas

Júlio Pomar nasceu em Lisboa, Portugal, em janeiro de 1926. Morreu em 2018 na mesma cidade. Foi um importante pintor e artista plástico lusitano. Pertenceu à chamada terceira geração de pintores modernistas e a sua obra configurou-se como multifacetada, centrada também no desenho, na cerâmica, na gravura, ilustração, tapeçaria e na cenografia para o teatro, destacando-se como um dos maiores autores do neorrealismo.

Pomar também foi poeta. Em vida, publicou dois volumes de poesias; Alguns Eventos e Tratado do Dito e Feito.

Prima contradição é sua obra mais recente, lançado na primeira quinzena de janeiro do corrente ano. Trata-se de um livro póstumo com poemas inéditos.

Os poemas de Prima Contradição são diretos e acessíveis.

Escritos insurgentes baseados em frases e expressões populares que brinca com a forma sem abdicar da musicalidade e rigor estrutural do verso.

 

Não é para Contar uma Estória que tu escreves

Não é para contar uma estória que tu escreves
e eu pinto
nem para nos apontarem a dedo que limamos
o bico aos pregos no avesso do mundo, nem a terra
é o centro deste. O universo não usa
adereços de cena
nem liga a espelhos. Tem mais que fazer
que nos copiar e tampouco ao fado pois ele é
velho, não tem dentes, e tresanda
ao ranço de uma açorda
salgada e sem coentros.

 

 

Segundo nota explicativa

Se uma palavra toca noutra ou mesmo sem tocar

lhe queda próxima, põem-se as duas

a dedilhar lembranças na ária

da carne azada.

Passa-se isto

na poesia dos poetas e na linguagem

da rua. Os ganhos

são mútuos e ficam mal lembrados

ou julgados inconvenientes se

pouco prosados ultrapassam

a discreta função de fundo

musical na paisagem ambiente.

Ganham em sentidos o que perdem

em concisão. Para que servem os muros

que nos cercam senão para dar ganas

de os saldar?

 

Olhar e sentir
por dentro do corpo a massa de que é feito o avesso dele.
Ossos músculos nervos veias
tudo o que está no corpo e mundo é
a pintura contém e depõe na tela e
se acaso aí o pintor deixou reservas
nesse sem nada o avesso do mundo se
recolhe e mostra a face.

 

Do fim dos segredos

Quando se conta a outrem um segredo este
desmaia: a palavra
torna-se pele
sem leão lá dentro.

Não é mais segredo e não o sendo
finge ser lembrança
de fabrico imperfeito:
um cliqueti no silêncio escancara

a dantes inamovível porta
e virada a página acha-se apenas
uma moeda
que não corre já.
 

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