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Luna Vitrolira

26/05/2021 11:00 - por Tiago Vargas

Luna Vitrolira nasceu em Recife, Pernambuco. É poeta, declamadora, cantora, atriz, arte educadora, professora de literatura, pesquisadora de literatura oral, produtora cultural ... É autora de “Aquenda o amor às vezes é isso’’, publicação finalista do Prêmio Jabuti de Poesia em 2019. Contemporânea e multifacetada. Luna é uma artista completa. Para ver, ouvir e ler. Conceitual, Vitrolira ressignifica o amor em uma escrita peculiar, repleta de experimentalismos e fora dos padrões convencionais. Textuais e estéticos. A mulher negra, a solidão e a independência são temas transversais em sua obra de verve incomum e admirável. É a poesia que procura lugar, no espaço geográfico e no ser humano adjacente. Escrita laica, mundana. Que nos devolve ao vão de existir. De pensar. Como sugere o dialeto africano presente em seu livro de estreia. Aquenda. Preste atenção. 

CREDO
Eu acredito no amor
de porta de banheiro de muro pichado de acento de ônibus
de alto de prédios  de orelhão quebrado
No amor que singra as pontes do Recife ao meio dia
que corre pra cruzar a rua
driblando buzina no meio da vida
no amor que xinga e colhe uma flor
corresponde um aceno
acredita em destino e acaso
ama e odeia ao mesmo tempo
Eu acredito no amor de Eurídice e Orfeu
no amor que desce ao inferno e volta de mãos vazias
no amor de Medéia, de julieta e no meu
que não ultrapassa o clichê de um sonho de padaria
Eu acredito no amor de uma criança
por seu cachorro e seu boneco
sem fazer distinção de afeto, porque em ambos lhes cabe vida
no amor pelo feio, pelo disforme, pelo que é ignorado
no amor que zela e machuca com veneno e cuidado
Eu acredito no amor de Nena por sua bodega...

Poesia negra
apanhei por ser gorda
menina preta e pobrecresci ansiando pelo dia
em que minha pele aos poucos
começaria a clareardeixei de ir à praia
de brincar na rua
usei mangas longas pra esconder os braços do solmeu cabelo que não tinha gravidade
era crespo e se agarrava nas coisas alisei
não era bonita
não era magra
não era branca
era gorda menina preta e pobre
ninguém me avisou que apanharia por isso
ninguém me avisou que não seria amada por isso
morri várias vezes e várias vezes sonhei ser mulata
mulher fruta dessas que ao menos é desejada
atrair olhar de homem branco que não me xingasse
que não me batesse a mão na cara
sai daí bombril
cabelo pixain
saci
carne de vaca
era eu
tudo isso era eu
e tinha gente que dizia
eita que essa menina deu sorte
vai sair da senzala
nasceu com nariz afilado e nem é tão escurinha assim
vai clarear quando crescer
é só ter paciência que vai ser parda
parda poderia ser
rainha
deusa
musa de poeta
sereia
poderia ter voz
lugar na mesa da sala
parda poderia ser
parda nada mudou
e eu gorda menina parda e pobre
continuei apanhando
até descobrir que deus
é uma mulher preta
e me aceita.
Luna Vitrolira

Amor à primeira vista
Quem é essa...
Com jeito inocente de menina
e sorriso provocante de mulher?
Seu olhar tímido e envolvente é como um poema difícil de entender...
Que faz o coração disparar, sem precisar nada dizer.
Seus esvoaçantes cabelos ao vento,
Lembram a bela que saiu pra rua sem se olhar no espelho...
As covinhas de seu rosto são como nuvens,
Que vêm e vão na imensidão de um céu ventoso...
E eu ali parado... calado,
Como um bobo apaixonado, sem reação...
Que sente o vento soprar em sua direção.
 Sérgio da Silva Almeida

O olhar fala por si
O vazio, a tristeza que habita
O desejo, o segredo que esconde
O olhar desnuda a alma
Ele transparece a verdade
Desmente a fala
O olhar desvenda o omitido
O que as palavras não dizem
E o corpo reprime
Suyane Iansen Rodrigues

O olhar sobre o mundo
É o verso mais profundo
Que a alma pode ter
A verdadeira paisagem
É sentir a viagem
Pela forma de ver
Veja que a melhor pintura
É quando o pintor mistura
O olhar e o ser
Edison Botelho


Março de 2020
(Poema feito durante o isolamento social devido ao coronavírus.)

Agora todo amanhecer tem sabor de domingo
e a trilha sonora da vida transformou-se
numa canção de uma única nota musical.    
O relógio inerte na parede
move-se lentamente fazendo do tempo
uma sucessão de horas vagas.
O calendário transcorre numa profunda introspecção
que busca ressignificar os dias úteis.
A vida tornou-se um livro
onde todas as páginas parecem idênticas.
Os balanços da pracinha suspiram de saudade
das crianças e as flores da rua choram
porque ninguém mais passa por elas.
Na sombra das árvores do parque
pássaros solitários cantam sem plateia.
A dor do inconsciente coletivo
une a oração de todos numa só inspiração.
Gabriela Vidal Domingues

LIBÉLULA 
Contorna a luz sintética 
da lâmpada na varanda,
a libélula tonta e frenética.
Animalzinho transparente,
sem dente,
sem sangue.
Os mosquitos,
sua gangue.
Helicóptero 
da criança pobre,
ela faz um carinho 
em meu coração
e vem juntar-se
à noite tonta.
Noite das inutilidades,
onde o simples
bater de asas
repercute como um trovão.
Mauro Ulrich

Se te escrevo poemas...
legitimidade do amor
se consuma
além das palavras
deixa vestígios
veste intimidade
muito além do corpo
Cris M Branco

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