Blog da Poesia

Gonçalino Fagundes

20/04/2022 09:11 - por Tiago Vargas tiagovargas.uab@gmail.com

Cora Coralina foi uma das maiores poetas brasileira, autora de poemas memoráveis como “Assim eu vejo a vida’’   e uma das vozes mais importantes da nossa literatura teve sua primeira publicação aos anos 75 anos de idade com o livro “O Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais". Sua escrita ficou marcada pela simplicidade, por retratar a beleza e a delicadeza do detalhe. O óbvio como temática. O cotidiano como inspiração. “Nunca é tarde para sonhar’’, como o próprio título sugere resgata essa premissa. Assim como Coralina, Gonçalino debutou na literatura mais tarde, aos 68 anos. Drummond, Quintana e Pessoa foram suas inspirações. Nunca é tarte para sonhar, sua coletânea de poemas sintetiza uma vida de escrita. Misticismo, amor, natureza, saudades são alguns dos temas retratados com olhar atencioso e peculiar. Sui generis. A publicação foi lançada pelo cachoeirense no último dia 18 de março e está disponível, pode ser adquirida através do whatapps 992686711.

BARRAGEM DO CAPANÉ                        
O manancial que descia
Serpenteando as coxilhas
Um dia foi represado
Inundando as pradarias
Os verdes campos de outrora
Ali não existem mais
É apenas um grande lago
Pra irrigar os arrozais
O progresso transformou
A paisagem desse lugar
Mas a beleza persiste
Isso ninguém pode negar
O imenso lago azul
Cercado de verdes matas
É o lugar ideal
Pra fazer minha serenata
Como tantos outros amigos
Ali nasci e me criei
Lugar melhor nesse mundo
Se existe eu não sei
Quando a angústia me consome
E eu me sinto sem fé
Meu paraíso tem nome
BARRAGEM DO CAPANÉ.

TRÊS DIAS NO MATO
Eu queria ficar
três dias no mato
sem nenhum contato
com a população
Na beira de um rio
onde nunca existiu
a poluição
Pegar a canoa
e entrar na lagoa
e sair a deriva
e na sombra mais calma
banhar minha alma
na água que é viva
E nesse momento
sentir que o vento
de longe me traz
O cheiro da relva
o aroma da selva
é lindo demais
Deitar lentamente
na areia ainda quente
de braços abertos
E num transe profundo
esquecer que o mundo
na cidade é deserto
A noite chegando
e o sol vai entrando
lá na curva do rio
Em meio a clareira
eu acendo a fogueira
pra espantar o frio
Pego meu violão
e canto a canção
que em Minh alma aflora
exaltando a beleza
que a mãe natureza
me deu nessa hora.

O APOSENTADO
Trabalhei a vida inteira
enquanto eu tinha vigor
cumprindo todos os deveres
de um bom trabalhador
Paguei taxas e impostos
e nada era barato
e sempre no fim do ano
mais dois ou três sindicatos
Até meus sessenta anos
levei uma vida normal
Contribuía todo mês
com a Previdência Social
Guardei todos os carnês
numa gaveta do armário
E pensei: vou me aposentar
com mais de quatro salários
Ledo engano que eu tive
Cortaram meus numerários
dizendo ser resultado
do fator previdenciário
E o dinheiro que eu contribuí
e que era pra estar guardado
por engano foi parar
no bolso de um deputado

Depois de aposentado
pensei que iria descansar
com uma vida tranquila
sem nunca mais trabalhar
Mas como que eu vou viver
sem receber mais algum
se os meus quatro salários
viraram em apenas UM.

O RIO JACUÍ                 
Lá na montanha a nascente do rio
Apenas um fio
De água a rolar
Mas pelo caminho são tantos os fios
Que se forma o rio
Descendo pro mar
Suas corredeiras
Formam cachoeiras
E o rio vai crescendo pra todos os lados
O pescador que pesca com amor
Joga sua rede colhendo o pescado
Esse rio que nasce no alto da serra
Se espalha na terra
Assim como o vento
É tão lindo ver suas águas naturais
Que não deixam jamais
Nos faltar alimento
Cuide do rio como se fosse um filho
Pois ele tem brilho
Quando lhe cuidamos
Esse nosso rio
Quando bem tratado
É nosso aliado
E não deixa faltar o que mais precisamos.

ETERNA SOLIDÃO                
Tem noites em que o sono se esquece de mim
E no escuro do quarto eu fico a folhear
O álbum guardado em minha memória
Com fotos antigas bailando no ar
Nessa solidão das noites eternas
Num horizonte distante eu vejo surgir
Lembranças perdidas de um tempo passado
Que essa noite não querem me deixar dormir
A fumaça do tempo num mesmo momento
Confundem meus olhos nessa escuridão
Agora os retratos estão refletidos
Na taça de vinho que eu tenho na mão
E no silêncio da noite eu fico a procura
Do elo perdido no solstício da vida
Na transição entre o velho e o novo 
Que eu deixei nas agruras duma noite esquecida
Sou velho, sou jovem, passado e presente
Talvez nem eu saiba minha definição
As vezes nem mesmo eu me reconheço
Então eu desperto assim de repente
Na madrugada me abraço com a solidão
E o relógio me chama pra outro começo.


Todos os poemas desta página são de autoria de Gonçalino Fagundes.

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