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A poesia do Instante: Angélica de Freitas

09/11/2022 08:45 - por Tiago Vargas

Angélica de Freitas é uma das mais destacadas vozes da poesia brasileira contemporâneo. Nascida em Pelotas, em 1973 é, por formação Jornalista e tradutora. Publicou dois volumes do gênero, Rilke Shake (2007) e O útero é do tamanho de um punho (2012); este vencedor do Prêmio de melhor livro de poesia em 2012 concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Escreveu também o romance Guadalupe: Uma Roadtrip fantástica. Escritora sagaz. Inteligente sem ser prepotente. De linguagem crua, simples. Humor e intertextualidade numa síntese perfeita. "São tomates e cebolas que nos sustentam, ervilhas e cenouras... Ah!  Shakespeare é muito bom! Mas e beterrabas, chicória e agrião? Um modo não convencional de composição, inerente, sem a submissão do politicamente correto. Angélica de Freitas afasta-se com premência dos clichês óbvios e dos trocadilhos duvidosos. Suas temáticas se pautam na insignificância e aleteoridade do cotidiano, naquilo que é recorrente, vezeiro e usual. (consegue criar em sua escrita imagens a partir de elementos simples). Versátil, perceptiva e invulgar. A poesia do instante. Do olhar fotográfico.

DENTADURA perfeita, ouve-me bem:
não chegarás a lugar algum.
são tomates e cebolas que nos sustentam,
e ervilhas e cenouras, dentadura perfeita.
ah, sim, shakespeare é muito bom,
mas e beterrabas, chicória e agrião?
e arroz, couve e feijão?
dentinhos lindos, o boi que comes
ontem pastava no campo.  e te queixaste
que a carne estava dura demais.
dura demais é a vida, dentadura perfeita.
mas come, come tudo que puderes,
e esquece este papo,
e me enfia os talheres.

Meu propósito é morrer nalgum boteco,
Para que eu tenha vinho perto da boca.
Assim os anjos cantarão bem bonachos:
"Que Deus tenha piedade desse bêbado."

 



mi
eu penso em béla bártok
eu penso em rita lee
eu penso no stradivarius
e nos vários empregos
que tive
pra chegar aqui
e agora a turbina falha
e agora a cabine se parte em duas
e agora as tralhas todas caem dos compartimentos
e eu despenco junto
lindo e pálido minha cabeleira negra
meu violino contra o peito
o sujeito ali da frente reza
eu só penso


mi
eu penso em stravinski
e nas barbas do klaus kinski
e no nariz do karabtchevsky
e num poema do joseph brodsky
que uma vez eu li
senhoras intactas, afrouxem os cintos
que o chão é lindo & já vem vindo
one
two
three


Poemas 
ANGÉLICA FREITAS

 

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