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Missão: impossível – o acerto final: o fim de uma era?
O último capítulo da saga “Missão: Impossível” é superlativo em suas ambições, não apenas nos riscos físicos e na ação vertiginosa que consolidaram sua marca, mas na ousadia narrativa de fragmentar seu desfecho em duas partes. A confiança absoluta no conceito levou os produtores a uma aposta audaciosa: desdobrar a missão final de Ethan Hunt em dois filmes seriados, estratégia que, em 2023, revelou apenas a primeira metade de um quebra-cabeça repleto de espetáculo.
Se “Acerto de Contas – Parte 1” apostou em um tom introspectivo, explorando as consequências das escolhas passadas de Hunt, “Missão: Impossível - O Acerto Final” (Mission: Impossible - The Final Reckoning) redireciona o foco para o espetáculo puro, em detrimento da profundidade. As sequências de ação, meticulosamente coreografadas, reafirmam o compromisso da franquia com o cinema prático, mas a divisão em duas partes levanta uma questão crucial: haveria substância suficiente para justificar a extensão, ou o desfecho sucumbe ao peso de suas próprias expectativas?
“O Acerto Final” dá continuidade ao cliffhanger explosivo do filme anterior, que deixou Ethan Hunt e a IMF à deriva. Após falharem em interceptar a chave que controla a Entidade (a IA renegada), o mundo mergulha em um caos invisível. Governos não confiam em seus próprios dados, aliados se tornam suspeitos e a ameaça de uma guerra nuclear paira no ar. Gabriel (Esai Morales), operador da IA, surge como um profeta do colapso, enquanto a missão de Hunt se concentra em recuperar o código-fonte capaz de neutralizar a Entidade — escondido em um submarino nuclear russo desaparecido em águas geladas e território disputado.
Se confirmado como o último capítulo, “O Acerto Final” marca o fim de uma era para uma das franquias de ação mais resilientes — e consistentes — do cinema contemporâneo. A dupla “Acerto de Contas” (7º filme) e “O Acerto Final” (8º filme) funciona como um épico de despedida, elevando a escala da série a patamares quase operísticos. A sensação de conclusão é trabalhada com nostalgia deliberada: desde os créditos iniciais, que revisitam cenas icônicas como a invasão ao cofre da CIA em “Missão: Impossível” (1996) ou a queda livre em “Efeito Fallout” (2018), até o resgate de personagens-chave como Luther (Ving Rhames) e Benji (Simon Pegg), cuja química com Hunt evoca décadas de parceria. Até Ilsa Faust (Rebecca Ferguson), cujo destino ambíguo no filme anterior gerou polêmica, recebe um arco que encerra não apenas sua história, mas um ciclo de sacrifícios e redenção.
A direção de Christopher McQuarrie reforça esse tom de despedida com sequências que ecoam a mitologia da franquia: o trem em alta velocidade remete ao primeiro filme, enquanto os combates corpo a corpo revisitam a brutalidade de “Efeito Fallout”. Até o vilão Gabriel, com seu fatalismo filosófico, surge como antítese definitiva de Hunt, encapsulando o conflito entre dever e humanidade que sempre permeou a série. Em um momento especialmente simbólico, a sombra de Jim Phelps (Jon Voight) ressurge — um lembrete de que toda a jornada de Hunt começou com uma traição e talvez termine com uma última escolha entre missão e família.
“O Acerto Final” transcende o blockbuster convencional. Nas entrelinhas, o filme dispara um alerta sobre os perigos da inteligência artificial descontrolada — tema que ressoa com urgência em nossa era digital. A trama, envolta em conspirações high-tech, reflete as próprias inquietações de Tom Cruise, um crítico ferrenho da desumanização do cinema. Cada cena prática, cada façanha sem dublês, é um manifesto silencioso contra a substituição do real pelo virtual.
Enquanto Hunt enfrenta uma IA para salvar o mundo, Cruise trava nos bastidores sua própria batalha pela preservação do cinema como experiência visceral. A franquia mantém sua tradição: sequências de ação espetaculares, com Cruise arriscando-se pessoalmente e um uso comedido de CGI. Em “O Acerto Final”, a perseguição aérea com aviões bimotores analógicos é um tributo ao cinema de raiz — onde criatividade superava limitações tecnológicas. É um espetáculo que homenageia o passado enquanto desafia os limites do presente.
“Missão: Impossível – O Acerto Final” é um epílogo digno, ainda que imperfeito. Se por um lado recorre excessivamente a flashbacks e referências nostálgicas, por outro eleva o espetáculo a níveis estratosféricos, equilibrando ação vertiginosa com um olhar melancólico sobre o fim da jornada. O filme encerra com um clima de festa que se despede, mas deixa a porta entreaberta — talvez para novas missões, talvez para um novo capítulo sem Cruise. Seja como for, Ethan Hunt entra para a história como o espião que tornou o impossível uma possibilidade, tanto na tela quanto nos bastidores.
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