Blog da Poesia

Multipoesia brasileira

23/07/2025 09:35 - por Tiago Vargas tiagovargas.uab@gmail.com

Ilustração: Antonio A. Maciel

A poesia brasileira é uma das melhores, mais abrangentes e múltiplas da literatura universal.  Eclética e vasta abarca do exagero barroco (características detalhistas e dramáticas) à diversidade contemporânea; passa pela mística simbolista, pelo preciosismo parnasiano (literatura mais objetiva, com vocabulário elaborado e voltado para temas universais) e pela antropofagia modernista (poesia desprendida de arcaísmo, com uso de versos livres e, sobretudo apreço por temas cotidianos e nacionalistas).

Nossa história no gênero teve inicio nos versos religiosos de José de Anchieta. No entanto, nossa lírica tornou-se conhecida pela alta dose de subjetividade e, a esse víeis existencialistas, filiaram-se nomes de escrita tão diversa quanto sublime, elevada e prestigiosa. Entre os quais, poetas como Drummond, Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Mário Quintana, Adélia Prado, Castro Alves, Manoel de Barros, Hilda Hist, Cora Coralina, Murilo Mendes, Olavo Bilac, João Cabral de Melo Neto, Paulo Leminski, Ferreira Gullar, Augusto dos Anjos... 

Que canto há de cantar o indefinível?
O toque sem tocar, o olhar sem ver
A alma, amor, entrelaçada dos indescritíveis.
Como te amar, sem nunca merecer?
Amar o perecível,
O nada,
O pó,
É sempre despedir-se.
Hilda Hilst


Hilda Hilst

É necessário conhecer seu próprio abismo.
E polir sempre o candelabro que o esclarece.


Murilo Mendes

Todas as Vidas
Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé
do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço…
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo…
Vive dentro de mim
a lavadeira
do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde
de São-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,
sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha…
tão desprezada,
tão murmurada…
Fingindo ser alegre
seu triste fado.
Todas as vidas
dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera
das obscuras!
Cora Coralina

Vaso Chinês
Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármore luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?... de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.

Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.
RAIMUNDO CORREIA

Moça Linda Bem Tratada 
Moça linda bem tratada,
Três séculos de família,
Burra como uma porta:
Um amor.

Grã-fino do despudor,
Esporte, ignorância e sexo,
Burro como uma porta:
Um coió.

Mulher gordaça, filó,
De ouro por todos os poros
Burra como uma porta:
Paciência...

Plutocrata sem consciência,
Nada porta, terremoto
Que a porta de pobre arromba:
Uma bomba.
Mário de Andrade

Congresso Internacional do Medo 
Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.
Carlos Drummond de Andrade

Encontrou algum erro? Informe aqui

Faça seu login para comentar!