Blog Da Poesia

Jon Fosse, nobel de literatura

10/01/2024 09:40 - por Tiago Vargas

Escrevo mais para me livrar de mim do que para me expressar.
Jon Fosse.

Jon Fosse é escritor e dramaturgo. Nascido na Noruega, foi o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2023. Segundo a Academia, o prêmio foi concedido "por suas peças e prosa inovadoras que dão voz ao indizível". Chamado de Samuel Beckett do século XXI, fez sua estreia na literatura em 1983 com o romance Raudt, svart" ("Vermelho, preto", ainda sem publicação no Brasil).

Além de roteiros de teatro e traduções, escreve literatura infantil, ensaios, conto, romance, ensaio e poesia.Possui um estilo rápido, imitando fluxos de consciência. Assim como o português Valter Hugo Mae, subverte a estrutura linguística convencional ao renegar pontos finais e parágrafos. Seus livros já foram traduzidos para mais de 50 idiomas. Melancolia, É a Ales e Brancura são suas obras já lançadas no Brasil. 

Para mim,
escrever é uma espécie de escuta.

Navio no escuro
Estou sentado em um barco
e a escuridão é o navio em que estou sentado
O navio está se movendo calmamente, escuro
e manhã noite A água é preta
Está em movimento calmo Lá
há a costa e as casas ouço as ondas
atingindo a costa
e eu acho que as casas são brancas
Estou sentado em um barco
e não há uma única pessoa
Estou sentado em um barco e estou
uma água sem ondas
Eu não sou uma pessoa
e há calma
porque não sou mais uma pessoa
Estou calmo em um barco
Eu sou a escuridão de um navio
e tudo é azul e escuro
tão molhado e escuro

Brancura
(…)
Alguma coisa está vindo na minha direção, e talvez seja uma pessoa. Ou sei lá o quê. Sim, deve ser uma pessoa. Mas não pode ser uma pessoa. Não é possível que seja uma pessoa, não aqui nem agora. Mas então o que seria. Identifico uma silhueta, e parece ser uma pessoa. Pois não poderia ser outra coisa, ou poderia. Permaneço imóvel. Fico ali, como se não ousasse me mover. Está tão escuro agora, mais escuro não pode ficar, e bem na minha frente avisto a silhueta de alguma coisa que parece uma pessoa. Uma silhueta luminosa que se torna cada vez mais nítida. Sim, um contorno bem perceptível no escuro, na minha frente. Que estaria distante ou perto de mim. Não sei dizer com certeza. É impossível dizer se está perto ou longe. Mas está lá. Uma silhueta branca. Brilhante. Acho que ela vem caminhando na minha direção. Caminhando é modo de dizer. Porque caminhar ela não caminha. Ela apenas se aproxima, cada vez mais. A silhueta é completamente branca. Agora percebo nitidamente. Que é branca. A brancura. E se destaca no meio da escuridão. Um branco brilhante. Uma brancura reluzente. Fico imóvel. Tento não me mexer. Apenas fico em pé, imóvel. Uma brancura reluzente. A silhueta de um ser humano. Uma pessoa cercada por essa brancura luminosa. Sim, talvez seja isso. Cada vez mais perto. Ou se afastando. Não, ela não some de vista, então não está se afastando. A brancura reluzente se aproxima cada vez mais. A silhueta do que deve ser uma pessoa está chegando cada vez mais perto. E agora percebo que a silhueta se transformou numa coisa branca. Sim, uma coisa. E essa coisa está se expandindo cada vez mais. Mas então não é uma pessoa que vem na minha direção. Não, não seria possível. Não aqui na floresta, não
agora, no escuro, no meio da noite. É impossível que seja uma pessoa. Mas então o que seria. Porque parece uma pessoa. Tem a forma de uma. Estou completamente imóvel. Tento ficar o mais imóvel possível. Meu corpo todo se enrijece. E a criatura se aproxima cada vez mais e se torna cada vez mais, sim, sim, luminescente em sua brancura, se posso dizer assim. Respiro profundamente. Fecho os olhos.
(…)
De Jon Fosse
Tradução de Leonardo Pinto Silva

UNA PERSONA ESTÁ AQUÍ
Una persona está aquí
y luego ya no está
en un viento
se desvanece
hacia el interior
y se une al moverse de las piedras
y se vuelve significado
en una unidad siempre nueva
de lo que es
y lo que no es
en una quietud
en la que el viento
se vuelve viento
donde el significado
se convierte en significado
en movimiento cambiante
de todo lo que ha sido
y al mismo tiempo es
desde el origen
cuando el sonido era el significado
antes que la palabra se escindiera
y ya no nos abandonara más
Pero está siempre
en el pasado y siempre en el futuro
y en algo
que no existe en su frontera
que desaparece
entre lo que ha sido
y lo que está por venir
En un sólo movimiento no es
ni tiempo ni distancia
Se aclara y desaparece
y al desaparecer
permanece
Y en su oscuridad
se ilumina
mientras dice
calla
No tiene lugar
Es todos los lugares
Está cerca
Está lejos
y el cuerpo y el alma se encuentran
en algún sitio
que es tan pequeño
como grande
como todo lo que es
y como nada
donde toda sabiduría  
y nada se sabe
en el íntimo ser indivisible
en que todo es sí mismo y todo lo demás
en la división indivisible
en la frontera ilimitada en la que al desaparecer
como una clara presencia súbita
desaparece
y avanza por el día
donde el árbol es árbol
y donde la piedra es piedra
y el viento viento
y donde las palabras
son una unidad incomprensible
de todo lo que ha sido y todo lo que desaparece
y así es como queda
como una palabra de consuelo

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