Blog da Poesia
Três poemas de Manoel de Barros
Manoel de Barros foi um escritor modernista brasileiro pertencente à terceira geração modernista, chamada de “Geração de 45”. É considerado um dos maiores poetas brasileiros, o qual foi agraciado com diversos prêmios literários, dos quais, destaque para o “Prêmio Jabuti” que recebeu duas vezes com as obras: O guardador de águas (1989) e O fazedor de amanhecer (2002). Autor essencial. Primordial. Sua escrita revela e celebra o miúdo e o singelo, suas obras são um verdadeiro mergulho no universo interior e nas belezas escondidas no cotidiano.
O blog da poesia desta semana traz três poemas deste genial e fascinante poeta.
Olhos parados
Olhar, reparar tudo em volta, sem a menor intenção de poesia.
Girar os braços, respirar o ar fresco, lembrar dos parentes.
Lembrar da casa da gente, das irmãs, dos irmãos e dos pais da gente.
Lembrar que estão longe e ter saudades deles…
Lembrar da cidade onde se nasceu, com inocência, e rir sozinho.
Rir de coisas passadas. Ter saudade da pureza.
Lembrar de músicas, de bailes, de namoradas que a gente já teve.
Lembrar de lugares que a gente já andou e de coisas que a gente já viu.
Lembrar de viagens que a gente já fez e de amigos que ficaram longe.
Lembrar dos amigos que estão próximos e das conversas com eles.
Saber que a gente tem amigos de fato!
Tirar uma folha de árvore, ir mastigando, sentir os ventos pelo rosto…
Sentir o sol. Gostar de ver as coisas todas.
Gostar de estar ali caminhando. Gostar de estar assim esquecido.
Gostar desse momento. Gostar dessa emoção tão cheia de riquezas íntimas.
Breve análise:
Os versos acima foram retirados após a primeira passagem do extenso poema Olhos parados. Neles, o sujeito reflete sobre a vida, expressando gratidão pelas experiências vividas e pelos encontros felizes. Reconhece a beleza de estar vivo, pleno, e dá valor a essa completude. Em Olhos parados se estabelece uma relação de cumplicidade entre o autor e os leitores, deixando que eles assistam esse instante íntimo de balanço da sua vida pessoal.
Poema
A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as
insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.
Breve análise:
Em Poema, Manoel de Barros reflete sobre a poesia e sobre si mesmo, revelando aspectos centrais de sua lírica. Em dez versos, ele explora as limitações do sujeito e valoriza o pequeno e o insignificante, compondo um olhar único sobre o mundo.
Chamado de "imbecil" por sua visão peculiar, ele transforma a ofensa em motivo de emoção, subvertendo expectativas com sensibilidade.
Uma didática da invenção
O rio que fazia uma volta
atrás da nossa casa
era a imagem de um vidro mole...
Passou um homem e disse:
Essa volta que o rio faz...
se chama enseada...
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás da casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.
Breve análise:
No belíssimo uma didática da invenção vemos como a palavra poética pode mudar a interpretação que construímos de uma paisagem. O poeta rejeita o termo técnico "enseada" para descrever o contorno de um rio, preferindo chamar-lhe "cobra de vidro", que transmite mais beleza e emoção.
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XXVIII Prêmio Paulo Salzano Vieira da Cunha De Poemas
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