Blog da Poesia
A poesia de Hilda Hilst
Hilda Hilst foi poetisa, dramaturga e ficcionista. Nasceu na cidade de Jaú, interior do estado de São Paulo, no dia 21 de abril de 1930; foi um dos grandes nomes da literatura brasileira e importante voz feminina na nossa poesia. Embora não tenha caído nas graças do grande público, nem da critica especializada (nunca produziu sob o signo do sucesso comercial, e dificilmente uma edição sua ultrapassou os mil exemplares) que considerava seus textos herméticos, foi agraciada com os mais importantes prêmios literários do Brasil e admirada por grandes escritores, entre eles Caio Fernando Abreu e Lygia Fagundes Telles. A temática de sua poesia circundou as ações humanas diversas e complexas; com relevância para a inquietude do ser, a morte, o amor, o sexo, Deus e suas indagações metafísicas (Entre suas experiências literárias, esteve aquilo que ela chamou de “Transcomunicação Instrumental”, quando deixava gravadores ligados por sua chácara, a Casa do Sol, hoje Instituto Hilda Hilst, com o intuito genuíno de gravar vozes de espíritos, demonstrando assim sua clara preocupação com a sobrevivência da alma). Escritora prolífica deixou uma obra vasta e plural; foram mais de quarenta títulos entre poesia, ficção e teatro, traduzidos em países como Itália, Alemanha, França, Portugal, Estados Unidos, Canadá e Argentina. Hilda se foi em 2004, aos 74 anos de idade. No entanto, sua poesia, densa e singular permanece. Para sempre.
Por: Tiago Vargas
Dez chamamentos ao amigo
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
Poemas aos Homens do nosso tempo
Amada vida, minha morte demora.
Dizer que coisa ao homem,
Propor que viagem? Reis, ministros
E todos vós, políticos,
Que palavra além de ouro e treva
Fica em vossos ouvidos?
Além de vossa RAPACIDADE
O que sabeis
Da alma dos homens?
Ouro, conquista, lucro, logro
E os nossos ossos
E o sangue das gentes
E a vida dos homens
Entre os vossos dentes.
A Vida é Líquida
É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livro da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, me casaco roço
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d’água, bebida. A vida é liquida.
Também são cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d’água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De uma amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraíso. O sinistro das horas
Vai se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.
Sussurras: ah, a vida é liquida.
Quero ser lida em profundidade e não como distração, porque não leio os outros para me distrair mas para compreender, para me comunicar. Não quero ser distraída. Penso que é a última coisa que se devia pedir a um escritor: novelinhas para ler no bonde, no carro, no avião. Parece que as pessoas querem livrar-se assim de si mesmas, que têm medo da ideia, da extensão metafísica de um texto, da pergunta, enfim.
Encontrou algum erro? Informe aqui
XXVIII Prêmio Paulo Salzano Vieira da Cunha De Poemas
Ainda dá tempo de participar: corre lá e inscreva sua poesia!