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A poesia de Hilda Hilst

10/08/2022 08:50 - por Tiago Vargas

Hilda Hilst foi poetisa, dramaturga e ficcionista. Nasceu na cidade de Jaú, interior do estado de São Paulo, no dia 21 de abril de 1930; foi um dos grandes nomes da literatura brasileira e importante voz feminina na nossa poesia. Embora não tenha caído nas graças do grande público, nem da critica especializada (nunca produziu sob o signo do sucesso comercial, e dificilmente uma edição sua ultrapassou os mil exemplares) que considerava seus textos herméticos, foi agraciada com os mais importantes prêmios literários do Brasil e admirada por grandes escritores, entre eles Caio Fernando Abreu e Lygia Fagundes Telles. A temática de sua poesia circundou as ações humanas diversas e complexas; com relevância para a inquietude do ser, a morte, o amor, o sexo, Deus e suas indagações metafísicas (Entre suas experiências literárias, esteve aquilo que ela chamou de “Transcomunicação Instrumental”, quando deixava gravadores ligados por sua chácara, a Casa do Sol, hoje Instituto Hilda Hilst, com o intuito genuíno de gravar vozes de espíritos, demonstrando assim sua clara preocupação com a sobrevivência da alma). Escritora prolífica deixou uma obra vasta e plural; foram mais de quarenta títulos entre poesia, ficção e teatro, traduzidos em países como Itália, Alemanha, França, Portugal, Estados Unidos, Canadá e Argentina. Hilda se foi em 2004, aos 74 anos de idade. No entanto, sua poesia, densa e singular permanece. Para sempre.
Por: Tiago Vargas

Dez chamamentos ao amigo
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

Poemas aos Homens do nosso tempo
Amada vida, minha morte demora.
Dizer que coisa ao homem,
Propor que viagem? Reis, ministros
E todos vós, políticos,
Que palavra além de ouro e treva
Fica em vossos ouvidos?
Além de vossa RAPACIDADE
O que sabeis
Da alma dos homens?
Ouro, conquista, lucro, logro
E os nossos ossos
E o sangue das gentes
E a vida dos homens
Entre os vossos dentes.

A Vida é Líquida
É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livro da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, me casaco roço
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d’água, bebida. A vida é liquida.
Também são cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d’água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De uma amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraíso. O sinistro das horas
Vai se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.
Sussurras: ah, a vida é liquida.

Quero ser lida em profundidade e não como distração, porque não leio os outros para me distrair mas para compreender, para me comunicar. Não quero ser distraída. Penso que é a última coisa que se devia pedir a um escritor: novelinhas para ler no bonde, no carro, no avião. Parece que as pessoas querem livrar-se assim de si mesmas, que têm medo da ideia, da extensão metafísica de um texto, da pergunta, enfim.

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