Blog do Mistério

A fada lavadeira

22/05/2025 08:53 - por Gisele Wommer giwommer@gmail.com

Esta história vem de longe, muito longe, seu terror atravessa o oceano.

Dizem que nas terras altas da Escócia, quando o dia começa a raiar e os corvos cessam seus cantos infernais, é possível ouvir o som surdo de tecido sendo torcido na beira de rios ou riachos. Era final de outono quando Ewen Lochbuie, ainda um jovem herdeiro de uma família abastada, se perdeu entre os carvalhos retorcidos, à procura de algo que ele nem sabia o que era. Caminhou até um riacho de águas escuras e geladas, onde uma velha lavava roupas tingidas de sangue sob a luz do amanhecer.

A mulher era encurvada, aparentava um sério problema de coluna. Seus cabelos brancos caíam sobre os ombros magros, e suas mãos enrugadas torciam uma camisa de linho com a maior delicadeza. Ewen, intrigado e inquieto, perguntou-lhe a quem pertenciam àquelas vestes. A resposta, dita com voz rouca bem incomum, fez-lhe gelar a espinha: “A estes panos pertence o destino. E entre eles, jovem Lochbuie, está o teu.”

Tomado pelo pavor, Ewen implorou à criatura por uma forma de escapar da morte que parecia inevitável. A velha o fitou com olhos assustadores e respondeu: “Teu fim não é pedra, mas barro — ainda moldável. Se tua esposa te servir manteiga ao nascer do sol, sem que tu peças o fio do destino será cortado.” Era uma chance, o jovem estava um pouco descrente, mas ainda assim uma chance.

Ewen voltou para casa com o coração apertado, tentando encontrar uma forma de induzir o gesto sem quebrar a regra imposta. Passou a noite em claro, revirando os lençóis, preocupado com o que o destino lhe reservaria. Ao amanhecer, sentou-se à mesa em silêncio, os olhos suplicantes voltados para a mulher que, como sempre, lhe preparava o desjejum, mas sem saber do peso que aquele gesto carregaria.

Ela trouxe pão. Somente pão. Nenhuma manteiga, nenhum olhar. Ewen mordeu o alimento seco, que não lhe desceu bem, e naquele instante soube que a Fada Lavadeira terminaria seu trabalho. Na batalha que se seguiu, enfrentando o próprio pai, o jovem caiu, e sua cabeça rolou como pedra solta pela encosta. O sangue misturou-se à terra, selando o destino que fora anunciado à margem daquele estranho riacho.

Dizem que a velha ainda vive (ou que nunca viveu). Que surge nos dias anteriores às batalhas, lavando as roupas dos que morrerão. Uma coisa é certa: se um dia você encontrar uma mulher lavando roupas manchadas de sangue sob um céu sem sol, afaste-se. Ouça o som da água. E jamais, em hipótese alguma, pergunte a quem pertence àquela camisa.

Ewen Lochbuie, assim como a fada, também não cruzou a linha que separa os vivos dos mortos. Dizem que seu corcel negro ainda tropeia estradas, sua espada segue firme e ameaçadora presa à sua cintura, agora ele é o Cavaleiro sem Cabeça, uma das lendas mais conhecidas entre os britânicos e americanos, retratada nos romances de Washington Irving.

 

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