Blog Do Mistério

As noites no interior

09/03/2023 09:42 - por Gisele Wommer

Ninguém sabia precisar quando foi que as noites pacatas do Bosque, interior de Cachoeira do Sul, ganharam um ar de mistério, como se coisas sobrenaturais pairassem na atmosfera.

Um vizinho começou a reclamar aqui, outro começou a se queixar ali e a coisa logo se espalhou como um boato, até mesmo nas residências mais distantes da região. As madrugadas já não eram mais seguras. O sono já não era mais tranquilo. E a atividade não tinha hora para começar. Algumas noites era mais cedo, outras mais tarde e não faltavam vezes em que tudo se dava já quase ao amanhecer, quando o céu nem sabia se já era dia ou ainda queria ser noite.

Os animais davam avisos: vacas mugiam, cavalos trotavam inquietos pelos campos, quase varando o limite das cercas, ovinos antecipavam o amanhecer em gritos que eram clamores por liberdade. Mas o problema maior se dava nos galinheiros.

Ovos começaram a sumir, sem vestígio. Na sequência foram os pintos e por fim galinhas de maior porte. Por vezes simplesmente sumiam, outras vezes moradores encontravam penas e restos de carcaças e ainda tinha o caso das que apareciam com mordidas pelo pescoço e vinham a morrer logo depois.

Além do prejuízo, a situação começou a gerar revolta. Moradores se uniam em bolichos para dar conta das baixas nos galinheiros. Começaram a se alertar, trataram de ficar na espreita.

Foi então que se passou a ouvir os uivos estranhos e eventualmente uma carabina velha era testada, rasgando o silêncio da noite em fracassadas tentativas de afugentar o vilão dos campos.

Era graxaim, eles concluíram. Não apenas um, mas um bando. A falta de alimento na mata, possivelmente acarretada pela seca, acabou por trazer os bichos para perto das moradias. Várias tentativas para prender ou espantar o bando foram feitas, havia moradores defendendo a caça, mas nada surtiu efeito.

Foi numa noite que um senhor revoltado com as perdas, resolveu posar no galinheiro e tentar salvar as últimas aves que lhe restaram. Lá pelas três da manhã, bem na hora medonha, os uivos e latidos começaram. A noite estava clara, e o morador viu bem o animal se aproximando. Enquanto fazia mira com o revólver, notou que o bicho desistiu da caça e lentamente saiu andando em direção à cerca do vizinho. Conforme caminhava, o corpo mudava, o bicho ficava maior, em pouco tempo tomou forma de gente, levantou-se em duas patas e foi embora tranquilamente, tal qual um homem dando uma caminhada noturna.

Até hoje não se sabe o que aconteceu no lugar. O vizinho colocou a casa para vender no outro dia e descobriu que sempre preferiu a vida na cidade.

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