Blog do Mistério
O véu que separa os mundos
Há datas em que o vento parece soprar diferente. Para quem consegue ver mais do que rotina no andar acelerado dos ponteiros do relógio, dá para sentir misticamente uma diferença no ar, algo que paira, em silêncio, mas não sai das sombras, não se apresenta. É uma coisa que podemos apenas sentir, não ver e nem tocar. É assim quando chega o Halloween.
Nos corações trevosos o vento muda, o ar pesa, e há algo invisível que roça a pele, trazendo lembranças antigas que nem mesmo nos pertencem. O Halloween, muito antes de se tornar uma noite de fantasias e doces, nasceu de um sussurro entre dois mundos, e uma conexão espiritual entre a vida e a morte. Na tradição celta, chamava-se Samhain, o festival que marcava o fim da colheita e o início do inverno. Uma época de morte simbólica, de recolhimento, de escuta.
Diziam que, nessa noite, o véu que separa os vivos dos mortos se tornava fino, quase translúcido. As fronteiras entre o real e o sobrenatural se confundiam, e as almas dos que partiram vagavam de volta, buscando o calor das casas, o cheiro da comida, o som familiar de uma voz. Era uma noite de reencontro, mas também de perigo: junto dos espíritos queridos vinham aqueles que carregavam mágoas, dívidas, promessas quebradas.
Para se proteger, as pessoas acendiam fogueiras e deixavam oferendas do lado de fora das casas: frutas, pão, leite, um pouco de mel. Acreditavam que, assim, poderiam aplacar os mortos inquietos e garantir um novo ciclo de fertilidade e sorte. Vestiam-se com peles e máscaras, tentando enganar as presenças que rondavam os vilarejos. Talvez essa tenha sido a primeira fantasia de Halloween: não servia para brincar, mas para sobreviver, de acordo com a cultura daquela época e daquele povo.
Com o passar dos séculos, o Samhain se misturou ao cristianismo e se transformou em All Hallows’ Eve (a véspera do Dia de Todos os Santos). Mas a essência permaneceu: a sensação de que, na virada de outubro para novembro, algo se move nas sombras, observando. As velas nas janelas ainda brilham como miniaturas das antigas fogueiras celtas, e o doce oferecido às crianças ainda carrega a lembrança das oferendas deixadas aos mortos. Nem mesmo a criação do Dia de Finados conseguiu diminuir este sentimento milenar.
Talvez o verdadeiro mistério do Halloween seja esse: não o medo do sobrenatural, mas a memória do que fomos. Uma tentativa de conversar com o passado, de lembrar os nomes que o tempo apagou. A literatura, o cinema, as artes, tudo o que criamos para lidar com o escuro, são, no fundo, versões modernas desse ritual antigo de chamar o invisível para perto, por apenas uma noite.
E você, vai deixar a janela aberta amanhã? Não se esqueça que o véu está fino demais. E, quem sabe, alguma presença gentil ou curiosa, possa ficar deste lado, observando você acender a luz.
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