Blog do Cinema

Depois da Caçada: a fragilidade das máscaras morais

16/10/2025 10:16 - por Jorge Ghiorzi jghiorzi@gmail.com

O mais recente filme do prolífico e contundente Luca Guadagnino, “Depois da Caçada” (After the hunt, 2025), traz todas as marcas reconhecíveis de sua filmografia: desejo reprimido, moralidade flexível, rebeldia criativa e um certo inconformismo iconoclasta. Ainda assim, é um trabalho que se distancia emocionalmente de obras anteriores, como “Rivais”, “Queer” e o subestimado “Até os Ossos”. Aqui, o diretor parece interessado menos em como amamos e mais em como pensamos sobre o amor, o poder e o julgamento. “Depois da Caçada” é um filme cerebral, provocativo e, por vezes, deliberadamente desconfortável.

A história gira em torno de Alma (Julia Roberts), professora de filosofia em Yale, cuja vida pessoal e profissional começam a desmoronar após uma série de pequenas fraturas éticas e afetivas. Casada com Frederik (Michael Stuhlbarg), um intelectual espirituoso que aceita com humor o fato de amar mais do que é amado, Alma atrai o interesse de Hank (Andrew Garfield), colega de departamento e espécie de rebelde acadêmico, além da admiração fervorosa de Maggie (Ayo Edebiri), sua aluna de doutorado. Essas relações, que se iniciam como trocas intelectuais e afetivas, tornam-se o epicentro de um jogo de poder que expõe a fragilidade das máscaras morais que sustentam o meio universitário.

Guadagnino transforma esse microcosmo acadêmico num campo de batalha de ideias e ressentimentos. O campus, com seus corredores frios e salas iluminadas por luz difusa, torna-se um cenário quase clínico, onde as emoções são dissecadas com precisão cirúrgica. O filme oscila entre a sátira e o drama psicológico, mostrando personagens que confundem retórica com ética e que se protegem atrás de discursos sofisticados, enquanto suas vidas pessoais se desintegram.

É revigorante ver um filme de Hollywood voltado a adultos, que aborda com seriedade temas como feminismo, cultura do cancelamento, política de identidade e diferença geracional. Mas “Depois da Caçada” é, em muitos momentos, mais admirável do que envolvente. Guadagnino parece tão interessado em discutir as contradições de nosso tempo que esquece de nos fazer sentir o impacto humano dessas contradições. Seu filme quer ser uma radiografia moral do presente, mas por vezes soa como uma tese filmada: brilhante, provocante, porém emocionalmente árida.

Julia Roberts, no entanto, sustenta todo este peso com uma presença magnética. Ela está em quase todos os 139 minutos, e sua performance é o eixo em torno do qual o caos gira. É um tour de force, daqueles que costumam render indicações a prêmios, e, ainda que o roteiro lhe ofereça mais ideias do que emoções, Roberts encontra humanidade até nas contradições mais duras de Alma.

Com ecos de um ceticismo sofisticado à la Woody Allen, mas sem o alívio da comédia, “Depois da Caçada” é um filme que pensa demais e sente de menos. É cinema de conceito, não de catarse. Admirável na construção, mas frustrante na entrega. Uma experiência que nos desafia, mas nos toca com pouca paixão.

Encontrou algum erro? Informe aqui

Faça seu login para comentar!